Há muita gente que se parece com Miro e que comunga com o seu modo de pensar...
Para ele, os brancos não eram preconceituosos, e o fato de os negros se reunirem em clubes específicos só podia significar que eles é que eram os racistas... De acordo com as suas ideias, não havia nenhum impedimento para a integração, pois a sociedade sempre está “de braços abertos” e pronta para reconhecer e gratificar “aqueles que se esforçam” e que querem vencer...
Miro nem mesmo refletia sobre a rejeição que sofrera quando tentou ingressar na Faculdade de Direito... Ele não se considerava negro... Em vez disso, assumia a condição de “moreninho” que tinha a pele temperada por sua bisavó indígena, aquela que havia resistido à escravidão.
(...)
Certa vez Salim chegou a Marilândia Paulista com
muitas mercadorias trazidas de São Paulo... Miro o esperou na estação.
Era outubro de 1931 e, entre as suas bugigangas, trazia também um
exemplar do primeiro boletim da Frente Negra, que tinha sido fundada no mês
anterior.
O mascate havia ficado muito bem impressionado com o
que havia lido... Ele até participou de algumas reuniões da entidade e ficou
sinceramente empolgado com os líderes.
Ele trouxe o jornalzinho especialmente para Miro porque imaginava que
ele se interessaria pelo movimento... Mas aconteceu que enquanto se encaminhavam
para a portaria da hospedaria Paraíso, o doutor deu um jeito de se livrar do
material... Ele menosprezou o boletim tão logo identificou o objetivo da
entidade estampado na capa: “a elevação moral, intelectual e profissional e
assistência, proteção e defesa social, jurídica e econômica da gente negra”.
Era a palavra “negra” que lhe provocava repulsa... Talvez, se se
dispusesse a folhear o boletim, teria concordado com algumas das ideias
monarquistas de Arlindo Veiga dos Santos, o presidente da FNB.
(...)
Como sabemos, a capital estava em polvorosa...
Às vésperas do comício da noite de 23 de maio, o rádio destacava aos
ouvintes que as boas famílias paulistanas (as elites) pressionaram os
interventores e eles se demitiram:
São Paulo não admite a tutela de ninguém.
Nenhum “estrangeiro” ou militar vai prevalecer sobre a gente paulista. Viva São
Paulo! Viva! Viva!
Oswaldo Aranha, ministro do
governo Vargas foi recebido com vaias no evento de 22 de maio... Isso significa
que a tentativa governista de acalmar os ânimos dos opositores paulistas não
deu certo...
Faustino destaca que
o entrevero do dia 23 teve início na Faculdade de Direito... Bem antes da
investida radical contra as associações fiéis a Vargas, jovens empunharam armas
e efetuaram disparos para o alto quando ainda se encontravam no Largo São
Francisco.
(...)
Maria tinha dificuldade ao tentar entender a situação... Afinal, de
acordo com o seu juízo, bastaria o governo “nomear um interventor paulista e
civil”... A Frente Única se aquietaria...
A empregada ficava dividida
na situação... Também era verdade que não suportava ouvir insultos contra o
presidente... Reconhecia que ele também devia ter boas intenções.
(...)
O presidente do Partido Democrático, doutor Francisco
Antônio de Almeida Morato (também professor da Faculdade de Direito, promotor
público e deputado) alimentava expectativas de ser nomeado o próximo
interventor. Mas Vargas anunciou o nome de Pedro Manuel de Toledo (embaixador
na Argentina; ex-ministro do governo Hermes da Fonseca).
Pedro de Toledo era paulista... Mas o pessoal da Frente Única entendia
que o nome de Francisco Morato sinalizaria uma “conciliação”...
Não era por acaso que o
rádio bradava:
Enfim, um interventor paulista e civil, ligado à oligarquia (...) mas
agora é tarde (...) a palavra de ordem é: “derrubar a ditadura”. O poder deve
ser devolvido aos seus verdadeiros donos, a elite paulista.
Leia: A
Legião Negra. Selo Negro Edições.
Um abraço,
Prof.Gilberto