Miro abandonou Stela em sua solidão e amargura...
Caminhou pelos becos... Nada podia ver, mas tinha a sensação de que estava sendo perseguido... Aos poucos percebeu que alguém estava se aproximando... Precisava encontrar algo com o que pudesse se defender. Seu coração disparou, porém aquietou-se na medida em que reconheceu John Washington.
O jamaicano estava sem o uniforme e isso dificultou o reconhecimento imediato... Miro quis dizer-lhe que o lugar era muito perigoso para caminhadas solitárias durante a madrugada... O outro sorriu demonstrando a confiança dos que estão acostumados a perigos maiores.
De fato, o brasileiro tinha de reconhecer que a fuga do companheiro tinha sido das mais espetaculares... Os dois caminharam em direção à pensão onde Miro estava hospedado... Enquanto seguiam, John confessou-se apaixonado por Stela... Disse também que havia retornado ao bar, mas as portas já estavam trancadas... Revelou que gostaria que Miro servisse de intérprete para ela no momento em que lhe declarasse o seu amor.
Aquela conversa deixou Miro bem constrangido... O outro prosseguiu dizendo que notou que a luz da janela sobre o bar estava acesa... Miro não podia prosseguir ouvindo aquelas coisas, e é por isso que ele mudou o assunto perguntando sobre quanto tempo John permaneceria no país.
(...)
A pergunta de Miro funcionou, já que logo o rapaz
jamaicano se empolgou ao falar novamente a respeito do movimento no qual estava
envolvido. Destacou que não sabia que o Brasil era tão grande e mostrou-se
impressionado também com a agitação política... Ele tinha ouvido falar de
táticas de guerrilhas e chegou a conhecer a capoeira.
John explicou que escreveu uma carta aos membros da associação... Eles
ficaram tão interessados que lhe deram a missão de aprender essas técnicas de
resistência antes que retornasse aos Estados Unidos... No sul daquele país
estavam se formando grupos negros paramilitares que poderiam aproveitar as táticas
desenvolvidas pelos brasileiros.
O rapaz gostaria que Miro o ajudasse nessa tarefa, mas este deixou claro
que não dominava a arte da capoeira e nem conhecia as táticas de guerrilha...
Todavia pôs-se à disposição para procurar alguém com habilidade e conhecimento
suficientes para contribuir com o jamaicano.
John Washington ficou animado e disse que em troca passaria as
informações a respeito do movimento que se desenvolvia nos Estados Unidos,
principalmente sobre as ideias de Garvey e de W.E.B. Du Bois... Ele esperava
que Miro traduzisse os textos das duas lideranças e os repassasse às entidades
que defendiam a causa dos negros no Brasil.
(...)
Por incrível que pareça, Miro ficou fascinado com tudo o que o outro lhe
disse... Ele, que por tanto tempo vivera mergulhado na completa alienação e
desprezo em relação à sua gente (até se considerava descendente de índios)
passou a pretender conhecer as raízes negras e a se interessar pela “luta sem
fronteiras” que os “filhos da África” já empreendiam pelo continente.
Washington percebeu a
animação de Miro... Sugeriu que poderiam viajar juntos aos Estados Unidos, e
que o brasileiro se encarregaria de ensinar capoeira e as táticas de
guerrilha... Miro deixou claro de uma vez por todas que o seu ramo era a
enfermagem, que a capoeira era “coisa de lutadores de rua” e que a guerrilha era
um movimento praticado pelos “bandoleiros do cangaço”.
(...)
Aproximaram-se da pensão e
Miro notou que o seu quarto estava iluminado...
Ele imaginou que
estivesse sendo perseguido e, como não queria comprometer o gringo com mais
complicações, despediu-se...
John ainda teve tempo de dizer que tinha visto cartazes sobre um comício
da Legião Negra que ocorreria em Santos no dia seguinte... Afirmou que gostaria
de participar e de contar com Miro para que lhe traduzisse os discursos...
Combinaram um local de
encontro...
Cada um partiu para o seu lado.
Leia: A
Legião Negra. Selo Negro Edições.
Um abraço,
Prof.Gilberto