Kapuscinski escreveu muito mais sobre os bares que conheceu na África...
Contou que o “Alex” era o seu ambiente preferido... Citou ainda outros nomes mais curiosos de estabelecimentos: “Por que não?”; “Vai se Perder”; “Só Você”; “Independência”; “Liberdade”; “Luta”...
O bar era como um “organismo vivo” em movimento... Principalmente quando tocavam os velhos discos de jazz... Todos conversavam porque havia assunto para tudo quanto era gosto, desde os temas bíblicos às questões políticas ou tramas passionais.
O bar era também lugar de muita boataria... E era nesse misto de “clube, loja de penhores, átrio de igreja, teatro, escola, bordel e comitê partidário” que uns definiam suas opiniões a respeito dos outros.
(...)
É claro que Lumumba também apreciava uma boa
cerveja...
Ele entendeu que não podia desprezar os frequentadores de bares na discussão
de seus propósitos políticos...
Bem no começo, quando não o conheciam, ele se intrometia a falar sobre
coisas corriqueiras... Jamais tomava o partido de uma ou outra tribo, e dessa
forma não criava confusão com quem quer que fosse bangal ou bekong.
Falava sobre o Congo durante horas... Não se fazia repetitivo e
mantinha-se entusiasmado o tempo todo. O fato é que sua presença começou a
mudar as atmosferas agitadas dos bares... As pessoas se calavam, paravam para
ouvi-lo e refletir sobre suas palavras.
Os “ensinamentos” de Lumumba eram simples... Mas é claro que, antes
deles, as pessoas comuns que frequentavam os ambientes festivos dos bares não
pensavam muito sobre o Congo, sua imensidão, beleza e recursos naturais...
Lumumba dizia que tudo
seria ainda melhor se houvesse união... Os belgas conseguiram impor o seu
domínio graças às desavenças tribais... Ele sentenciava que a fraternidade
seria uma poderosa arma contra os imperialistas.
Aos que o ouviam perguntava
didaticamente: “o que é preciso mostrar aos belgas?”. Depois provocava
questionando sobre o que uma tribo ganhava ao depositar cobras venenosas nas
choupanas da outra... As pessoas eram realmente livres? Afinal, que vida era
aquela totalmente desprovida do básico necessário à existência?
(...)
Lumumba conhecia as
limitações e o modo de pensar da gente da cidade... Também ele havia nascido
num vilarejo (Katakokombe) e se transferira para a cidade com a expectativa de
alcançar alguma estabilidade... Ele compreendia as frustrações daquelas pessoas...
Talvez Lumumba se perguntasse: Os congoleses eram os culpados de os
imperialistas exercerem domínio com suas armas poderosas e de impor-lhes seu modelo
de sociedade?
Ele respeitava a confusão
que afetava a cabeça de seus compatriotas...
“Geladeiras e flechas envenenadas”; “pavor que sentiam
dos feiticeiros e admiração pelo Sputinik”...
Se tudo isso era muito confuso para aquele povo simples, o que dizer do
claro antagonismo entre os discursos oficiais imperialistas e os dos movimentos
de libertação?*
*
Kapuscinski cita De Gaulle e Ferhat Abbas (líder popular da
Argélia que organizou a AML – Amigos do Manifesto
e da Liberdade, frente política
nacionalista para a libertação da Argélia na década de 1940).
(...)
O autor explica que não foi por acaso que o
governo belga enviou tropas intervencionistas (logo após o assassinato de
Lumumba) com uniformes de paraquedistas... Os belgas sabiam muito bem que as
populações locais se sentiam apavoradas e intimidadas perante militares vistos
como “criaturas especiais” e poderosas que “caíam do céu”.
Leia: A
Guerra do Futebol. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto