domingo, 29 de novembro de 2015

“A Guerra do Futebol”, de Ryszard Kapuscinski – o caso dos três jovens do Partido Socialista de Kasai; uma análise a respeito do panorama político partidário em Gana no ano de 1961

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2015/11/patrice-lumumba-alguns-registros.html antes de ler esta postagem:

Ainda sobre Patrice Lumumba, Kapuscinski apresenta outros juízos: “filho do povo”; em determinados momentos, ingênuo e místico; tipo extremamente complexo; não há como defini-lo objetivamente; “incendiário caótico”; “poeta sentimental”; “político ambicioso, de alma animada”; “flexível e inflexível”... Até o fim de sua jornada manteve-se firme em seus propósitos e verdades.
O público dos bares se sentia atraído por ele... Suas convicções eram transmitidas com clareza que convencia a todos...
Para Kapuscinski, Lumumba fizera exatamente o que os poloneses esperavam de suas lideranças: entregara à sua gente uma “orientação política”. Ao tempo em que era ouvido nos comícios e bares, diziam il a raison (ele está certo)... Após a sua morte continuaram a sentenciar Oui, il a avait raison (Sim, ele tinha razão).
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Na sequência, Kapuscinski faz uma análise do panorama político do Congo... Ele reservou um trecho do seu A Guerra do Futebol para apresentar algumas reflexões sobre a situação, destacando as dificuldades para uma “ação unificada” no vasto país africano.
Não eram poucos os que consideravam o Socialismo a melhor alternativa...
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Certa vez, três jovens apareceram no hotel onde Kapuscinski estava instalado com os companheiros jornalistas tchecos. Eles se apresentaram como “socialistas de Kasai”.
Para Kapuscinski, o inusitado estava no fato de os tipos solicitarem dinheiro para o partido (que se resumia a eles três). O Partido Socialista de Kasai estava inteirinho naquele quarto!
Os moços recorriam aos jornalistas de países socialistas porque acreditavam que conseguiriam donativos para a sua campanha política, que consistia em subornar as autoridades de sua província...
Jarda explicou que não era com aquele tipo de expediente que o Socialismo se tornaria uma realidade... Depois falou sobre a importância de organizar as massas.
Os rapazes quiseram saber se os jornalistas notavam alguma mobilização nas ruas... E emendaram que no Congo não havia a menor condição de aglutinar os oprimidos, sempre dispersos e passivos...
Eles queriam dizer que as mudanças políticas só aconteceriam a partir da ação do “pequeno círculo de líderes”...
Quantos eram esses? Talvez uns quinhentos... A arrecadação do dinheiro se justificava na medida em que seria preciso cooptar lideranças para “dar corpo ao partido”...
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Kapuscinski se pergunta que tipo de governo se estruturaria a partir de manobras como aquela... Os próprios rapazes sentenciaram que a “forma de governo” seria definida pelos que pagam.
O polonês pensou sobre os mil dólares que ainda possuía e brincou de imaginar um exercício a respeito da “republiqueta” que poderia comprar... Um absurdo... Aqueles três formavam o Partie Socialiste du Kasai, no qual desempenhavam as funções de presidente, secretário-geral e tesoureiro... Via-se que o partido contava com o velho Chevrolet estacionado à frente do hotel... O presidente era casado e era pai de duas pequenas crianças...
(...)
A estorinha é bizarra, mas de certo modo serve para ilustrar o panorama de imaturidade política que imperava em Gana. O país chegou a possuir cerca de noventa partidos! Essas são informações de Pierre Artique coletadas por Kapuscinski, que esclarece que havia 112 candidatos nas eleições de 1960... Talvez fossem uns 200... Nem dá para saber ao certo.
As sociedades europeias levaram séculos para atingir amadurecimento político... As transformações que resultaram na redução objetiva da quantidade de partidos foram lentas...
Mas em três anos o Congo havia passado por transformações intensas. Obviamente não houve o amadurecimento a que o parágrafo anterior faz referência.
A cada semana, desde 1958, mais de um partido aparecia no cenário político congolês... Kapuscinski cita o exemplo de um “Partido Popular do Congo”, que apareceu em Leopoldville e que possuía “homônimos” em Kindu, Boende e Kenge...
Após a independência eles podiam se juntar numa só agremiação, e os presidentes até se reuniram, mas a unificação “se revelou inviável”.
Unificar os partidos implicaria definir quem seria o presidente... “As massas de Kindu não conheciam o presidente de Boende, que não tinha o que dizer às massas de Kenge, que jamais fora visitada por ele”.
O povo não decidia absolutamente nada... Entre os dirigentes havia ambições e vaidades... Todos entendiam que o momento era propício para se candidatarem... Na jovem e complexa nação, todos entendiam que tinham as mesmas chances nas disputas pelo eleitorado.
Leia: A Guerra do Futebol. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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