Temos de nos transportar aos dias subsequentes ao assassinato de Patrice Lumumba...
O Congo tornou-se agitado pelos confrontos entre os homens que sustentavam o poder de Joseph Mobutu e os que pretendiam vingar a morte de Lumumba. Nas ruas de Stanleyville o que se viam eram brigas em que os dois grupos se digladiavam...
Ouvia-se muita boataria e troca de insultos... Kapuscinski e os demais jornalistas estrangeiros (além de Jarda e Duszan, ele cita o Fedayashin) ouviam as falações e não sabiam ao certo o que fazer... Esperava-se que o país se tornasse palco de uma guerra civil... De fato, alguns caminhões abarrotados de militares partiam para a região de Katanga... Ele próprio gostaria de seguir com os soldados, mas ninguém podia esperar que de um momento para o outro os brancos fossem perseguidos e surrados por bandos intolerantes.
O momento também era de “revanchismo”... Atribuíam o assassinato de Lumumba aos belgas, e muita gente passou a perseguir europeus de modo indiscriminado...
(...)
Kapuscinski reflete sobre essa situação... No começo
não entende por que ele e os companheiros tchecos se tornavam potenciais alvos
dos bandos violentos... Primeiro porque eles eram sinceramente contrários a
todo tipo de violência que os europeus haviam cometido contra os africanos e às
suas terras... Depois queriam que entendessem que eram mesmo simpatizantes de
sua causa libertadora.
Para o polonês, sua situação se assemelhava à dos jovens universitários
de seu país que recebiam o “bilhete lupino” (que impedia que se inscrevessem em
instituições de ensino superior após terem sido expulsos de qualquer faculdade)...
Quer dizer, havia muita reportagem a ser feita sobre o momento histórico que os
africanos vivenciavam, e ele se encontrava no “palco dos acontecimentos”, mas
ao mesmo tempo a cor de sua pele (seu “bilhete lupino”) o impedia de atuar.
Ele cita um episódio em que caminhava com uma estudante de Acra, quando
foram admoestados por agressores que começaram a atacar a jovem por causa de
sua “companhia branca”.
(...)
Kapuscinski conclui que não era por acaso que os negros estavam
agredindo brancos... Aquilo nada mais era do que o “círculo da vingança” se
fechando... Os africanos estavam espancando os brancos porque estes os haviam
agredido de todas as formas no passado.
Certa vez, encontrou um polaco nas selvas da Província Oriental... O aspecto
do tipo era dos piores... Evidentemente havia sido agredido... Ele não se
conformava com sua situação e sentenciava que não podia mais suportar aquilo...
Kapuscinski explica que os brancos haviam se acostumado muito mal... Eles agiam
mal nos tempos coloniais e isso revelava muito de sua arrogância... Era comum
arrancarem aos socos e pontapés os negros de seu caminho... Mas a situação
havia se invertido, “o mundo mudara”, e os negros partiam para a ofensiva.
(...)
Mas pelo visto ninguém se
importava com o modo de ser e pensar de Kapuscinski... Ele gostaria de explicar
que não era belga, e que se tratava de um polonês que comungava desde a
adolescência com os valores da “fraternidade entre as raças”, e que havia
organizado comícios em solidariedade às lutas dos povos da Coreia, Vietnã e
Argélia...
Ele jamais aceitou a
exploração imperialista no continente africano... Gostaria que todos entendessem
isso... Queria que soubessem que estava ali para contribuir com a luta,
inclusive “através de atos”.
(...)
Kapuscinski, Jarda e
Duszan resolveram deixar o hotel (o Residence Equateur) para tratar diretamente
com o pessoal do exército, que estava acampado num bairro próximo...
Mas eles mal se aproximaram e foram barrados por um oficial de baixa
estatura... O tipo os recebeu aos gritos, e isso atraiu uma grande quantidade
de pessoas que se aglomerou ao redor... A comunicação era das piores porque ele
não entendia uma só palavra que pronunciavam... Também os jornalistas não
tinham como responder às perguntas que ele fazia...
O militar se mostrava cada
vez mais nervoso.
Então surgiu um rapaz de bicicleta que se prontificou
a traduzir a partir do francês o que os estrangeiros tinham a dizer... O jovem
explicou que os três eram jornalistas, um da Polônia e dois da
Tchecoslováquia... O oficial se irritou muito porque não conhecia aqueles nomes
e voltou a esbravejar.
Kapuscinski e os companheiros não conseguiam se explicar... Não
conseguiam dizer que eram solidários à luta e que desejavam acompanhar as
tropas...
Jarda teve a ideia de mostrar sua carteira de
habilitação que tinha registros árabes, pois ele residira no Cairo... O oficial
gostou do que viu e passou a dizer que reconhecia que a origem do documento só
podia ser Nasser... Então aqueles três eram “homens de Nasser!”.
Era como se tivessem apresentado um “salvo-conduto”... O oficial
retornou ao acampamento depois de cumprimentá-los efusivamente... A multidão se
dispersou...
Os três jornalistas resolveram não avançar em seus intentos e retornaram
ao hotel...
Kapuscinski reconhecia que, entre os seus, a maioria não tem a menor
ideia do que sejam “Gabão ou Botsuana”...
Ao folhear um livro belga para as escolas do
Congo, viu que o material ensinava que a Bélgica era “o único país do mundo”.
Leia: A
Guerra do Futebol. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto