quinta-feira, 3 de dezembro de 2015

“A Guerra do Futebol”, de Ryszard Kapuscinski – revanchismo contra brancos; desavenças entre os partidários de Lumumba e Mobutu; reflexões e conclusões de Kapuscinski a respeito da intolerância observada no Congo no começo da década de 1960; o “legado belga” e as dificuldades para a realização de reportagens sobre os conflitos

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2015/11/a-guerra-do-futebol-de-ryszard_64.html antes de ler esta postagem:

Temos de nos transportar aos dias subsequentes ao assassinato de Patrice Lumumba...
O Congo tornou-se agitado pelos confrontos entre os homens que sustentavam o poder de Joseph Mobutu e os que pretendiam vingar a morte de Lumumba. Nas ruas de Stanleyville o que se viam eram brigas em que os dois grupos se digladiavam...
Ouvia-se muita boataria e troca de insultos... Kapuscinski e os demais jornalistas estrangeiros (além de Jarda e Duszan, ele cita o Fedayashin) ouviam as falações e não sabiam ao certo o que fazer... Esperava-se que o país se tornasse palco de uma guerra civil... De fato, alguns caminhões abarrotados de militares partiam para a região de Katanga... Ele próprio gostaria de seguir com os soldados, mas ninguém podia esperar que de um momento para o outro os brancos fossem perseguidos e surrados por bandos intolerantes.
O momento também era de “revanchismo”... Atribuíam o assassinato de Lumumba aos belgas, e muita gente passou a perseguir europeus de modo indiscriminado...
(...)
Kapuscinski reflete sobre essa situação... No começo não entende por que ele e os companheiros tchecos se tornavam potenciais alvos dos bandos violentos... Primeiro porque eles eram sinceramente contrários a todo tipo de violência que os europeus haviam cometido contra os africanos e às suas terras... Depois queriam que entendessem que eram mesmo simpatizantes de sua causa libertadora.
Para o polonês, sua situação se assemelhava à dos jovens universitários de seu país que recebiam o “bilhete lupino” (que impedia que se inscrevessem em instituições de ensino superior após terem sido expulsos de qualquer faculdade)... Quer dizer, havia muita reportagem a ser feita sobre o momento histórico que os africanos vivenciavam, e ele se encontrava no “palco dos acontecimentos”, mas ao mesmo tempo a cor de sua pele (seu “bilhete lupino”) o impedia de atuar.
Ele cita um episódio em que caminhava com uma estudante de Acra, quando foram admoestados por agressores que começaram a atacar a jovem por causa de sua “companhia branca”.
(...)
Kapuscinski conclui que não era por acaso que os negros estavam agredindo brancos... Aquilo nada mais era do que o “círculo da vingança” se fechando... Os africanos estavam espancando os brancos porque estes os haviam agredido de todas as formas no passado.
Certa vez, encontrou um polaco nas selvas da Província Oriental... O aspecto do tipo era dos piores... Evidentemente havia sido agredido... Ele não se conformava com sua situação e sentenciava que não podia mais suportar aquilo... Kapuscinski explica que os brancos haviam se acostumado muito mal... Eles agiam mal nos tempos coloniais e isso revelava muito de sua arrogância... Era comum arrancarem aos socos e pontapés os negros de seu caminho... Mas a situação havia se invertido, “o mundo mudara”, e os negros partiam para a ofensiva.
(...)
Mas pelo visto ninguém se importava com o modo de ser e pensar de Kapuscinski... Ele gostaria de explicar que não era belga, e que se tratava de um polonês que comungava desde a adolescência com os valores da “fraternidade entre as raças”, e que havia organizado comícios em solidariedade às lutas dos povos da Coreia, Vietnã e Argélia...
Ele jamais aceitou a exploração imperialista no continente africano... Gostaria que todos entendessem isso... Queria que soubessem que estava ali para contribuir com a luta, inclusive “através de atos”.
(...)
 Kapuscinski, Jarda e Duszan resolveram deixar o hotel (o Residence Equateur) para tratar diretamente com o pessoal do exército, que estava acampado num bairro próximo...
Mas eles mal se aproximaram e foram barrados por um oficial de baixa estatura... O tipo os recebeu aos gritos, e isso atraiu uma grande quantidade de pessoas que se aglomerou ao redor... A comunicação era das piores porque ele não entendia uma só palavra que pronunciavam... Também os jornalistas não tinham como responder às perguntas que ele fazia...
O militar se mostrava cada vez mais nervoso.
Então surgiu um rapaz de bicicleta que se prontificou a traduzir a partir do francês o que os estrangeiros tinham a dizer... O jovem explicou que os três eram jornalistas, um da Polônia e dois da Tchecoslováquia... O oficial se irritou muito porque não conhecia aqueles nomes e voltou a esbravejar.
Kapuscinski e os companheiros não conseguiam se explicar... Não conseguiam dizer que eram solidários à luta e que desejavam acompanhar as tropas...
Jarda teve a ideia de mostrar sua carteira de habilitação que tinha registros árabes, pois ele residira no Cairo... O oficial gostou do que viu e passou a dizer que reconhecia que a origem do documento só podia ser Nasser... Então aqueles três eram “homens de Nasser!”.
Era como se tivessem apresentado um “salvo-conduto”... O oficial retornou ao acampamento depois de cumprimentá-los efusivamente... A multidão se dispersou...
Os três jornalistas resolveram não avançar em seus intentos e retornaram ao hotel...
Kapuscinski reconhecia que, entre os seus, a maioria não tem a menor ideia do que sejam “Gabão ou Botsuana”...
Ao folhear um livro belga para as escolas do Congo, viu que o material ensinava que a Bélgica era “o único país do mundo”.
Leia: A Guerra do Futebol. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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