quinta-feira, 24 de dezembro de 2015

“A Guerra do Futebol”, de Ryszard Kapuscinski – considerações sobre o Darwinismo Social e outros (pré) conceitos que fundamentaram o apartheid na África do Sul; entendimentos dos africânderes sobre os demais europeus ; aos nativos, “reservas territoriais” que podiam chamar de pátria

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2015/12/contribuicao-para-um-entendimento-da.html antes de ler esta postagem:

Os fragmentos escritos em 1965, e selecionados por Kapuscinski em A Guerra do Futebol, explicam que o apartheid era uma doutrina política e social que se pretendia Antropológica... A partir de sua fundamentação, o “ódio racial” passou a ser legitimado por lei... E isso garantia o controle e a dominação branca... Em africâner, “apartheid significa segregação”.
(...)
Vimos que a ocupação branca possuía justificativa que remontava ao século XIX...
Neste ponto não há como não fazer referência ao “Darwinismo Social”, que transferiu para as sociedades humanas os conceitos que Charles Darwin havia definido em sua teoria da evolução para explicar a preponderância de certas espécies sobre outras nos meios naturais... As ideias de “luta pela sobrevivência” e de “sobrevivência dos mais evoluídos e fortes” foram transferidas pelos “darwinistas sociais” para as relações entre as sociedades... Eles queriam incutir que os europeus eram “superiores” aos demais povos e, sendo assim, seria “natural” (e positivo para a humanidade) que prevalecessem sobre os demais.
Outras doutrinas e conceitos filosóficos fundamentaram a “missão civilizatória” dos europeus na África e em outros continentes...
(...)
Os africânderes se consideravam superiores até mesmo aos demais europeus! Esses deviam ser desprezados porque eram “degenerados”...
O motivo do desprezo africânder pelos europeus estava no fato de esses serem “liberais que concediam direitos a negros”; “utilizavam os domingos para diversões fúteis como cinemas e restaurantes”; “permitiam militância comunista em seu meio”.
De acordo com Kapuscinski, a expressão africânder “jou eropeen!” (“você, europeu”) podia ser entendida como “seu patife!”... Apesar de até conhecerem línguas europeias, os africânderes evitavam ao máximo utilizá-las... Além disso, pronunciar-se numa delas perante um tribunal era considerado um ato de traição.
(...)
Havia um “entendimento popular” a respeito da doutrina social e política do apartheid...
Em síntese, pode-se dizer que as pessoas haviam aprendido que apenas os brancos são “seres humanos”... Isso era propagado desde tempos remotos... O autor diz que desde os primeiros navegadores espanhóis (provavelmente quisesse fazer referência aos portugueses que chegaram a possuir “posto de reabastecimento” na região ao tempo em que realizavam a “rota do Cabo” para realizar transações comerciais com a Índia) os registros davam conta do desprezo aos nativos...
Conforme o tempo passou, outras comunidades procuraram se impor e demonstrar “superioridade” em relação aos negros... Não era incomum ouvir de indianos, também oprimidos socialmente, que os africanos não passavam de “black monkeys”.
(...)
Havia o “entendimento científico” que os africânderes procuravam transmitir ao resto do mundo...
De acordo com eles, o apartheid solucionaria os problemas resultantes da inconveniente convivência num mesmo país entre brancos e “não brancos”. Os africânderes garantiam que os problemas prejudicavam ambas as comunidades: os brancos corriam o risco de “perder poder”; os “não brancos” poderiam “sofrer injustiças”...
De modo algum os brancos poderiam conceder direitos aos “não brancos”, pois isso poderia provocar a absorção da civilização ocidental pelos dominados... Para os africânderes, seu país era europeu, e não africano.
Esse complicado juízo implicava em “transferir um arcabouço superior” para uma localidade em que (por exemplo) os “inferiores” trabalhariam em indústrias instituídas pelos brancos. Nesse caso teriam de garantir-lhes direitos trabalhistas (era assim nas sociedades europeias). Mas de modo algum isso significaria que os “não brancos” teriam direitos civis ou exerceriam algum poder!
(...)
Os africânderes estavam convictos de que sua “nobre missão” representava o avanço da civilização (mais) desenvolvida... Viam-se como “eleitos de Deus” e isso bastava para que rechaçassem o modo de ser das comunidades africanas que estivessem em seu caminho.
Todavia eles não admitiam ser chamados de intolerantes... Ironicamente, diziam que os “não brancos” tinham direito de cultivar sua língua e cultura em reservas territoriais estabelecidas... Cada reserva seria como que uma “homeland” que os africanos poderiam chamar de sua “pátria-mãe”, onde poderiam, de acordo com sua capacidade, “alcançar os mais elevados postos”.
Por outro lado, ninguém devia se iludir imaginando que as reservas territoriais chegariam à autonomia política... Esses territórios seriam controlados pelos brancos em seu esforço de elevar o “padrão civilizatório”, pois insistiam que isso era algo que os “não brancos” não tinham a menor condição de realizar...
(...)
Fundamentados nesses (pré) conceitos, os africânderes ocuparam o país, o governo, a polícia, o exército... Impuseram sua Igreja e dominaram o Parlamento.
Kapuscinski registra que o hino da África do Sul começava com um “Nos vir Suid-Afryka” (“Vivemos para ti, África do Sul”)... O nacionalismo africânder era “fanático e obsessivo” ao mesmo tempo em que o racismo que nutriam beirava a paranoia.
Leia: A Guerra do Futebol. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto

Páginas