É tempo de retornarmos ao “A Guerra do Futebol”.
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Já naquela época os jogos eliminatórios ocorriam no esquema “ida e
volta”... Quer dizer que as seleções que aspiravam classificação para a Copa do
Mundo disputavam um jogo em seus domínios e outro no campo adversário.
Os duelos esportivos entre
El Salvador e Honduras foram os que entraram para a História como estopins de
acirrado confronto militar. Como sabemos, Kapunscinski estava no continente
durante a segunda metade da década de 1960 e tratou de cobrir os
acontecimentos.
Desde o começo notamos que o polonês dedicou aos
episódios atenção idêntica à que dispensara em toda sua carreira de jornalista...
Como não podia deixar de ser, ele deu destaque ao fanatismo dos
latino-americanos pelo futebol, e demonstrou certo espanto pelo fenômeno.
Não são poucos os jornalistas especializados na arte de comentar
partidas e torneios que relembram as eliminatórias de 1969 (para a Copa do
México) destacando a paixão desenfreada que uma partida entre duas seleções
pode provocar e extrapolar o campo de jogo...
O texto de Kapuscinski nos leva a entender que as
causas do conflito bélico entre as duas pobres nações da América Central eram
muito mais profundas do que as rivalidades desportivas.
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O primeiro jogo entre as equipes havia sido em Tegucigalpa, capital de
Honduras... A seleção salvadorenha não teve paz desde que se instalara no hotel
no dia anterior à partida... Torcedores hondurenhos se concentraram nas
proximidades para atirar pedras contra as janelas dos quartos onde os jogadores
estavam descansando... As buzinas dos automóveis, fogos de artifício e todo
tipo de gritaria completavam o tumulto ensurdecedor.
Essa postura, muito comum na América Latina, ocorria também em outras
partes do mundo. É claro que nesses casos o objetivo dos torcedores é perturbar
os jogadores do time adversário para que seu rendimento seja medíocre durante a
peleja.
De fato, Honduras venceu o jogo realizado no domingo, 8 de março (essa é a data que consta da página 194 do livro; na verdade a partida ocorreu no dia 8 de junho).
Roberto Cardona marcou o único gol da partida no minuto final de jogo.
A vitória apertada indica que o jogo não foi nada fácil para a equipe da
casa. Um drama para os fanáticos torcedores!
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Os torcedores salvadorenhos
sofreram com sua seleção. Acompanharam a partida pela televisão e formavam uma
só corrente em seu país. As notícias sobre as provocações dos hondurenhos
revoltaram os mais exaltados.
Mas foi o suicídio da jovem
Amelia Bolanios, de 18 anos, que inflamou os ânimos da nação. Conta-se que a
moça apossou-se de um revólver que o pai guardava na gaveta de uma escrivaninha
e atirou contra o próprio coração depois de se emocionar com o jogo em que a
querida seleção de futebol foi humilhada e derrotada.
No dia seguinte,
jornais como o “El Nacional” de San Salvador não deixaram de estampar o
episódio em suas capas... A manchete dava conta de que “a jovem não suportou
ver seu país posto de joelhos”...
O cerimonial fúnebre foi dos mais concorridos... Os salvadorenhos da
capital, que não puderam acompanhar presencialmente, viram tudo pela televisão.
Militares abriam o cortejo que contava com a presença do presidente da
República... Participaram também todos os ministros de Estado e os jogadores da
seleção. Estes estavam visivelmente cansados, pois após a partida em Honduras
foram perseguidos até o aeroporto, onde, sob vaias e ofensas diversas,
conseguiram se acomodar num avião especial muitas horas depois.
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Na semana seguinte a “partida
de volta” foi realizada em San Salvador, no “Estádio Nacional De la Flor
Blanca” (seu nome atual é Jorge “El Mágico” González).
A véspera do jogo foi marcada pela revanche da torcida
salvadorenha, que se concentrou nas proximidades do hotel onde os atletas
hondurenhos estavam instalados... Além de perturbarem por toda noite, atiraram
pedras e quebraram vidraças, lançaram “ovos podres, ratos mortos e panos
fedorentos” contra os quartos.
A Divisão Motorizada de San Salvador incumbiu-se de conduzir os hondurenhos
ao estádio. Se não fosse essa proteção certamente sofreriam ainda mais.
Carregando cartazes com a fotografia de Amelia
Bolanios, os torcedores queriam se vingar... Estavam prontos para tudo...
Leia: A
Guerra do Futebol. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto