terça-feira, 24 de maio de 2016

“A Guerra do Futebol”, de Ryszard Kapuscinski – Honduras x El Salvador, o jogo “de volta” pelas eliminatórias da Copa do Mundo de futebol de 1970; revanchismo e intolerância nas arquibancadas do La Flor Blanca; agressões físicas e assassinatos; fechamento da fronteira, a guerra se aproxima; impressões do autor sobre o fanatismo e outros exageros latino-americanos; o futebol como “ópio do povo”

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2016/05/a-guerra-do-futebol-de-ryszard.html antes de ler esta postagem:

O mínimo que se pode dizer a respeito da atmosfera em torno do jogo que ocorreria no Estádio Nacional de La Flor Blanca é que havia um clima de guerra mesmo antes da partida iniciada... Do lado de fora a Guarda Nacional cercou o local munida de armas de grosso calibre... Das arquibancadas ouviam-se os mais terríveis impropérios contra os atletas adversários... Durante a execução do hino hondurenho o ambiente foi preenchido de vaias e mais xingamentos. Em vez de bandeira do país, “um pano esfarrapado” foi içado no mastro.
Os jogadores visitantes não pensavam sobre o que podiam desempenhar em campo... Preocuparam-se antes de tudo com a própria vida... Retornariam sãos e salvos ao seu país?
(...)
El Salvador venceu por 3 a 0... O técnico de Honduras manifestou seu alívio concluindo que a derrota era o que de melhor poderia ocorrer para sua equipe. Após a partida os atletas foram conduzidos em carros de combate até o aeroporto e, pelo menos para eles, o pior fora superado.
Torcedores hondurenhos que se arriscaram a assistir à partida no Estádio Nacional de El Salvador passaram por um verdadeiro sufoco... Eles sofreram todo tipo de agressão à saída. Foram agredidos com socos, pontapés e pedradas... Fugiram como puderam em direção à fronteira, e canta-se que pelo menos “dois foram mortos pelo caminho e dezenas de outros acabaram hospitalizados”.
Muitos torcedores hondurenhos foram alcançados na estrada. O saldo é assustador: cento e cinquenta automóveis acabaram incendiados.
Poucas horas depois, a fronteira entre Honduras e El Salvador foi fechada.
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As informações se espalharam rapidamente...
Como se sabe, Kapuscinski estava no México quando esses episódios se sucediam na América Central... Foi o seu companheiro na estadia, Luis Suarez, quem comentou a respeito da tragédia ao mesmo tempo em que apostava que uma guerra entre Honduras e El Salvador era iminente.
Foi com Suarez que Kapuscinski aprendeu que a “fronteira entre a política e o futebol é tênue” na América Latina. Sem entrar em detalhes, o polonês sentencia que vários governos se desmantelaram por causa de derrotas das seleções de seus países... De modo exagerado, dizia-se que os que sofriam derrotas nos campos de jogo eram “traidores da pátria”.
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Sabe-se que a seleção brasileira de futebol sagrou-se campeã no torneio do México em 1970. Muitos especialistas consideram que o time comandado por Mário Zagalo era quase imbatível... Sem dúvida é um dos melhores da história do esporte.
Kapuscinski registra que ouviu de um colega brasileiro que o triunfo desportivo de 1970 resultaria em mais “cinco anos pacíficos” de governo dos militares de direita que haviam derrubado o presidente João Goulart em 1964.
Com isso, queria dizer que as alegrias do futebol levavam as pessoas a se distanciarem dos problemas políticos... Ainda segundo o autor, no caso específico do Brasil, a paixão pelo futebol se misturava a superstições e crenças na intervenção divina na definição dos resultados... Há quem diga que isso vale também para o tempo presente!
A constatação de Kapuscinski se sustenta numa evidência que ele mesmo coletou a partir da manchete de “Jornal dos Esportes”, do Rio de Janeiro, que destacava (por ocasião da vitória do Brasil sobre os ingleses na mesma Copa de 1970) através de texto e gravuras que “Jesus defende o Brasil”, pois “toda vez que a bola corria em direção à nossa defesa e o gol parecia inevitável, Jesus baixava Sua perna do céu e chutava a bola para fora”.
Leia: A Guerra do Futebol. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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