Depois de elaborar a redação do telegrama, restava encaminhá-la ao correio... A cidade e suas colinas escureciam e isso pesava contra o polonês, que sabia que teria dificuldade para encontrar a agência. Acabara de se instalar e não conhecia o traçado das ruas...
O dono do hotel não tinha nenhum funcionário à disposição que pudesse acompanhar o hóspede estrangeiro. Solícito, telefonou para a polícia. Mas os policiais estavam muito atarefados.
O tempo corria contra a pressa do repórter... O hoteleiro resolveu ligar para o corpo de bombeiros.
Logo apareceram três deles devidamente paramentados (com machadinha e tudo). Kapuscinski explicou-lhes a situação implorando para que o conduzissem ao correio, e fez isso dando a entender que sua missão era importante para os hondurenhos. Disse que sabia que os hondurenhos são hospitaleiros... Infelizmente não conhecia a cidade, mas gostaria muito de retribuir o acolhimento enviando aquele telegrama à sua agência na Polônia, pois era “muito importante que o mundo soubesse a verdade” sobre como a guerra se iniciara...
Insistiu. Garantiu que havia escrito a verdade e que deviam ajudá-lo a encaminhá-la.
(...)
Os
bombeiros conduziram-no pelas ruas escuras... Na esperança de encontrar o
caminho de volta ao hotel sozinho, o polonês contava os passos. Sua estratégia
não podia dar certo porque, ao chegar no milésimo passo, Kapuscinski já não
conseguia entender o mapa que desenhava em sua mente.
Chegaram
a uma porta... Um dos bombeiros bateu... A escuridão impossibilitava o reconhecimento...
Todavia, após breve troca de palavras, uma voz autorizou a entrada.
Havia
apenas um aparelho de telex. No momento ele estava sendo utilizado pelo
presidente da República, que se comunicava com o embaixador hondurenho em Washington...
O governo estava solicitando a intervenção e ajuda militar dos Estados Unidos.
A
ligação apresentava muitos problemas e a todo momento sofria interrupções. Aquela
troca de mensagens demorou muito.
Apenas
à meia-noite o aparelho foi liberado para Kapuscinski. O operador quis saber se
Varsóvia é um país... Enquanto o polonês explicou, o contato foi estabelecido e
a mensagem enviada.
(...)
Kapuscinski registra sua imensa felicidade ao cumprir
satisfatoriamente a tarefa. Mas ao se despedir do funcionário notou que não
conseguiria enxergar o caminho a percorrer até o hotel... O céu encoberto
parecia conspirar... Nenhuma luz, e tudo indicava que o retorno seria digno da
série “missão impossível”... A cidade totalmente desconhecida parecia-lhe
enfeitiçada.
Percorreu as ruas “tateando
muros, calhas e grades de vitrines” como se fosse cego. De repente percebeu que
havia chegado a uma praça ou cruzamento de avenidas... Concluiu que, além de
não saber como chegar ao hotel, não tinha condições de voltar ao correio...
Para piorar, desequilibrou-se e derrubou uma lixeira de metal... Como a
topografia configurava um aclive, a lata cilíndrica rolou asfalto abaixo
provocando barulho que despertou os moradores... Curiosos abriram janelas...
Uns imaginavam que o local estivesse sendo invadido... Outros exigiram silêncio.
Infelizmente para ele, a
lata seguia seu curso batendo em postes e paredes... Aquilo podia denunciar um
alvo aos inimigos! Sentiu-se um “traidor da cidade” e, apavorado, atirou-se ao
chão receando que alguém pudesse disparar contra ele.
(...)
O relato do autor
beira ao exagero...
Kapuscinski
garante que correu perigo real... Ao jogar-se no chão bateu a cabeça e começou
a sangrar pela boca... Não sabe como iniciou uma corrida às escuras, mas foi
isso o que decidiu fazer.
Corria e suava em bicas.
Imaginava que logo seria alcançado por pessoas enfurecidas portando lanternas e
porretes... Porém não foi isso o que ocorreu, pois logo o silêncio voltou a se
estabelecer.
Voltou
a caminhar lentamente. Sangrava e tinha a camisa rasgada (!)... Sentia-se numa
aventura no “fim do mundo”.
Para
completar o quadro catastrófico, uma tempestade desabou sobre Tegucigalpa.
Relâmpagos permitiram visualizar “prédios velhos e malconservados, uma casa de
madeira, um poste e muitos paralelepípedos”.
Conseguiu tatear muros e se
esconder num vão... Tentou dormir, mas não teve sucesso... Estava encharcado e
tremendo de frio...
Protegeu-se da chuva, mas não do vento gelado.
Leia: A
Guerra do Futebol. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto