Estamos neste ponto em que Anne e Paule conversam na barulhenta boate “Ange-Noir”...
Paule falava com convicção a respeito do tratamento a que se submetera... O doutor Mardrus interpretou seus sonhos... O falecimento de seu irmão quando ela tinha apenas quatro anos podia explicar o trauma que vivera a partir da relação com Henri...
Anne perguntou se Paule viu Henri depois do tratamento... A negativa foi incisiva... Como poderia revê-lo? Ele abusara da situação!
(...)
Anne entendeu o método de
Mardrus... Ele conseguiu libertar Paule “destruindo o seu amor, até no passado”...
A questão que ela levantava para si mesma era sobre a eficácia daquela
estratégia... Perguntava-se até que ponto seria possível atacar certos
micróbios “sem destruir o organismo que devoram”.
Concluiu que Henri estava morto para Paule... Mas não
se pode dizer que ela estivesse vivendo plenamente... Afinal sequer reconhecia
aquela “gorda mulher de rosto molhado de suor, de olhos bovinos e que bebia
avidamente uísque”.
(...)
Anne já havia lhe falado sobre Lewis no ano
anterior... Então, com naturalidade, respondeu-lhe que passara os três meses ao
seu lado... A outra quis saber se aquele relacionamento era amor e o que
faria... Anne respondeu que amava Lewis e que o veria novamente no próximo
verão.
Para Anne a situação era no mínimo desconfortável... Com que direito
Paule a maçava com aquelas perguntas que ela mesma pretendia ignorar?
A amiga insistiu em dar seu palpite... Sugeriu que ela poderia refazer a
sua vida com este amado que vivia tão distante... Anne deixou claro que não
pretendia “refazer a vida”, pois sua vida era na França.
Paule continuou a sugerir... Garantiu que a decisão sobre onde se deve
viver só dependia dela. Sendo assim, nada a impedia de “refazer a vida” do
outro lado do oceano.
Anne desejava encerrar aquele assunto, então disse que Paule sabia muito
bem a respeito da importância de Robert em sua vida... A moça respondeu que
ignorava aquela dependência... Bem ao contrário, sabia que Anne devia
ignorá-lo.
Paule sentenciou o seu
entendimento a respeito da relação de Anne com Robert e quis saber se ela já
havia pensado em passar por nova análise... Anne respondeu que não via a menor
necessidade, e não se tratava de medo como a amiga quis observar.
(...)
Anne não entendia seus
sentimentos como enfermidades... Sendo assim, não via o menor sentido em se
submeter à análise...
Pensava sobre essas
coisas quando Paule a interrompeu dizendo que ela tinha muitos complexos...
Anne concordou, mas garantiu que eles não significavam grandes problemas, pelo
menos enquanto não se sentisse estorvada.
Paule emendou que a amiga psicanalista jamais admitira que os próprios
complexos a estorvassem... Sua dependência em relação a Robert só podia ser
resultado de um complexo que só a análise resolveria.
Anne riu e perguntou por
que a amiga entendia que ela devia abandonar Robert...
Naquele momento o garçom havia colocado mais dois
copos generosos de uísque sobre a mesa... Paule tomou a metade do seu e
respondeu que é “pernicioso viver à sombra de uma glória” e, sendo assim, é
preciso libertar-se para “encontrar-se a si mesma”.
Paule “dava conta” de sua bebida... Apontou para o copo de Anne
esperando que ela fizesse o mesmo... Esta lhe perguntou se não achava que
estavam bebendo demais, mas acabou concordando com Paule... Não havia mal em
exceder na bebida...
Também ela aprovava “o charivari que o álcool
desencadeia no sangue”... As duas beberam ao mesmo tempo e a talagadas.
Depois Paule sentenciou que nenhum homem merece a adoração que exigem...
A própria Anne poderia experimentar entregar a Robert “papel e tempo para
escrever”... Não demoraria a entender que não lhe faltaria nada.
(...)
A conversa seguiu em volume alto...
Paule parecia não notar que
falava aos gritos para ser ouvida...
Na posição em que se encontravam, o barulho da
banda musical era intenso.
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2016/07/os-mandarins-de-simone-de-beauvoir-fim.html
Leia: Os
Mandarins. Editora Nova Fronteira.
Um abraço,
Prof.Gilberto