terça-feira, 26 de julho de 2016

“Os Mandarins”, de Simone de Beauvoir – encontro animado pela bebida e muitos petiscos; conversando sobre o 24 de agosto de 1944; distanciamento da realidade europeia e a fabricação de “lendas de cera”

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2016/07/os-mandarins-de-simone-de-beauvoir-um.html antes de ler esta postagem:

Willie era dos mais afoitos para voltar. Disse que todos estavam com fome e que podiam beber martini em casa.
No retorno, Anne acomodou-se no velho carro de Dorothy. Sentou-se exatamente entre a motorista e Willie. O desapontamento de Dorothy era tal que ela não pronunciou nenhuma palavra durante todo o trajeto... Anne, que guardava em si a indisposição dos desambientados, aproveitou para também permanecer em silêncio.
Ao chegarem, Dorothy insistiu com Anne para que não retornasse à Europa... Anne sustentou que não havia a menor possibilidade... A outra deu a entender que então ela devia revisitá-los durante a primavera, quando o lugar fica ainda mais bonito.
Mais uma vez essa gentileza toda fez Anne refletir sobre a frieza de Lewis, que em nenhum momento sugeriu novo reencontro...
(...)
Na casa, Willie entregou copos de martini a todos. Anne não fez caso e logo tomou o seu. Ela estava nervosa e desejava retirar-se o mais rápido dali. Sua aflição aumentou quando viu a mesa abarrotada de saladas, pastéis e bolos... Estariam dispostos a acabar com tudo aquilo?
Dorothy retirou-se e quando retornou à sala usava um comprido vestido “lamentável” e tinha o rosto coberto de pó-de-arroz... O grupo formado por Bert, Virgínia, Evelyne e Lewis era uma agitação só. Todos riam e falavam sem que se soubesse o tema da conversa. Anne os olhou em silêncio perguntando-se quando voltaria a ficar a sós com Lewis, que se mostrava muito animado. Mas ela sabia que afastá-lo dos demais não equivaleria a mantê-lo mais perto.
(...)
Bert se aproximou de Anne e a incumbiu de um prato repleto de sanduíches... Ao mesmo tempo perguntou-lhe sobre onde estava no 24 de agosto de 1944. Lewis se intrometeu dizendo que ela não deixara Paris durante a guerra.
Lewis, Willie e Bert estiveram entre os soldados que integraram as tropas americanas de libertação (a  4ª Divisão de Infantaria)... Bert comentou que estava entre os que acreditavam que chegariam a uma “cidade morta”, no entanto ficaram surpresos ao avistarem belas mulheres com pernas bronzeadas e trajando vestidos floridos... Sem dúvida, bem diferente do que imaginavam sobre as francesas.
Anne teve disposição para responder que os jornalistas norte-americanos se espantaram com a “boa saúde da maioria dos franceses”. Bert sustentou que os repórteres pareciam não ter capacidade para raciocinar, pois evidentemente não deviam esperar encontrar velhos, deportados ou mortos nas ruas. Disse isso e depois completou que aquele dia fora extraordinário.
Willie disse que quando chegou a Paris, seu grupamento foi tratado com desprezo pelos locais. Bert explicou que isso havia sido uma reação à brutalidade dos que tinham se instalado antes. Para Lewis, as tropas norte-americanas não tiveram alternativa.
Seguiram falando a respeito da série de enforcamentos que se seguiu... Bert era da opinião de que extrapolaram nas execuções (de nazistas e seus colaboradores) e que isso podia ser evitado...
(...)
Dorothy reclamou que os três falavam da “guerra que fizeram” e que cedo não colocariam fim ao assunto.
Anne ouvia e pensava sobre a empolgação daqueles “três guerreiros”. Admitiam ser simpáticos à França e não eram complacentes em relação ao próprio país... Mas era certo que falavam de uma “guerra deles”... A França e seu povo eram apenas “pretexto pouco irrisório”... Colocavam-se como homens fortes e capacitados que haviam lidado com gente fragilizada e passiva...
Só quem resistira à ocupação poderia testemunhar o contrário! Anne os via e ouvia fazerem a sua narração... Era triste concluir que a vitória havia-lhes permitido fabricar “lendas de cera”.
Leia: Os Mandarins. Editora Nova Fronteira.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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