Willie era dos mais afoitos para voltar. Disse que todos estavam com fome e que podiam beber martini em casa.
No retorno, Anne acomodou-se no velho carro de Dorothy. Sentou-se exatamente entre a motorista e Willie. O desapontamento de Dorothy era tal que ela não pronunciou nenhuma palavra durante todo o trajeto... Anne, que guardava em si a indisposição dos desambientados, aproveitou para também permanecer em silêncio.
Ao chegarem, Dorothy insistiu com Anne para que não retornasse à Europa... Anne sustentou que não havia a menor possibilidade... A outra deu a entender que então ela devia revisitá-los durante a primavera, quando o lugar fica ainda mais bonito.
Mais uma vez essa gentileza toda fez Anne refletir sobre a frieza de Lewis, que em nenhum momento sugeriu novo reencontro...
(...)
Na casa, Willie entregou copos de martini a todos. Anne não fez caso e
logo tomou o seu. Ela estava nervosa e desejava retirar-se o mais rápido dali.
Sua aflição aumentou quando viu a mesa abarrotada de saladas, pastéis e
bolos... Estariam dispostos a acabar com tudo aquilo?
Dorothy retirou-se e quando retornou à sala usava um
comprido vestido “lamentável” e tinha o rosto coberto de pó-de-arroz... O grupo
formado por Bert, Virgínia, Evelyne e Lewis era uma agitação só. Todos riam e
falavam sem que se soubesse o tema da conversa. Anne os olhou em silêncio
perguntando-se quando voltaria a ficar a sós com Lewis, que se mostrava muito
animado. Mas ela sabia que afastá-lo dos demais não equivaleria a mantê-lo mais
perto.
(...)
Bert se aproximou de Anne e a incumbiu de um prato repleto de
sanduíches... Ao mesmo tempo perguntou-lhe sobre onde estava no 24 de agosto de
1944. Lewis se intrometeu dizendo que ela não deixara Paris durante a guerra.
Lewis, Willie e Bert estiveram entre os soldados que integraram as
tropas americanas de libertação (a 4ª
Divisão de Infantaria)... Bert comentou que estava entre os que acreditavam que
chegariam a uma “cidade morta”, no entanto ficaram surpresos ao avistarem belas
mulheres com pernas bronzeadas e trajando vestidos floridos... Sem dúvida, bem
diferente do que imaginavam sobre as francesas.
Anne teve disposição para responder que os jornalistas norte-americanos
se espantaram com a “boa saúde da maioria dos franceses”. Bert sustentou que os
repórteres pareciam não ter capacidade para raciocinar, pois evidentemente não deviam
esperar encontrar velhos, deportados ou mortos nas ruas. Disse isso e depois
completou que aquele dia fora extraordinário.
Willie disse que quando chegou a Paris, seu grupamento foi tratado com
desprezo pelos locais. Bert explicou que isso havia sido uma reação à
brutalidade dos que tinham se instalado antes. Para Lewis, as tropas
norte-americanas não tiveram alternativa.
Seguiram falando a respeito
da série de enforcamentos que se seguiu... Bert era da opinião de que
extrapolaram nas execuções (de nazistas e seus colaboradores) e que isso podia
ser evitado...
(...)
Dorothy reclamou que os
três falavam da “guerra que fizeram” e que cedo não colocariam fim ao assunto.
Anne ouvia e pensava sobre
a empolgação daqueles “três guerreiros”. Admitiam ser simpáticos à França e não
eram complacentes em relação ao próprio país... Mas era certo que falavam de
uma “guerra deles”... A França e seu povo eram apenas “pretexto pouco irrisório”...
Colocavam-se como homens fortes e capacitados que haviam lidado com gente
fragilizada e passiva...
Só quem resistira à ocupação poderia testemunhar
o contrário! Anne os via e ouvia fazerem a sua narração... Era triste concluir
que a vitória havia-lhes permitido fabricar “lendas de cera”.
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2016/07/os-mandarins-de-simone-de-beauvoir-fim_27.html
Leia: Os
Mandarins. Editora Nova Fronteira.
Um abraço,
Prof.Gilberto