sexta-feira, 19 de agosto de 2016

“O Homem Duplicado”, de José Saramago – sono agitado e sensação de intrusão no apartamento; ao rever a fita, Tertuliano conheceu num ator de papel secundário o seu “retrato vivo”; fim de madrugada, inquietações a respeito da duplicidade

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2016/08/o-homem-duplicado-de-jose-saramago-um.html antes de ler esta postagem:

Depois de uma hora de sono, Tertuliano despertou agitado pela ideia de que havia alguém no pequeno apartamento... O relógio marcava 04h15min...
Saiu a percorrer os cômodos para conferir se, de fato, não estava sozinho.
Passou pela sala e não teve dúvida de que era do aparelho de vídeo conectado à televisão que emanava a energia... Do equipamento fluía algo que “denunciava a presença de uma pessoa”. Então concluiu que, se revisse trechos da comédia, reconheceria a personagem que provocava o reboliço...
Reassumiu a posição na cadeira e “repassou a história da mulher jovem e bonita que pretendia triunfar na vida”... A cena do minuto vinte a colocava diante de um balcão de hotel a se apresentar (seu nome era Inês de Castro)... O breve trecho chamou a atenção de Tertuliano, que acionou o retorno da fita diversas vezes... Congelou a imagem e se reconheceu na figura do empregado da recepção do hotel.
(...)
Tertuliano estranhou que o artista que fazia a personagem era idêntico a ele!
Diferenciavam-se basicamente no fato de o tipo da tela usar bigode... Mas esse detalhe era pouco significante face à tremenda coincidência. Ele só pôde pensar que, se os dois se encontrassem, iriam querer saber tudo a respeito um do outro.
Apesar do choque provocado pela revelação, Tertuliano passou a brincar de “fazer de conta” que também participava da mesma cena do hotel... Congelou a imagem do hotel e “conversou” com o funcionário e também com a bela atriz.
Decidiu avançar a fita para o final, até o ponto em que os créditos são visualizados... Vários nomes em ordem alfabética se sucederam... Mas não havia como saber como o ator de “papel secundário” se chamava.
As informações davam conta de que o filme havia sido feito cinco anos antes... Ato contínuo, Tertuliano dirigiu-se à gaveta onde guardava fotografias antigas e pôde verificar que numa delas, feita à mesma época em que o filme foi realizado, também ele usava bigode e tinha “corte de cabelo diferente e a cara menos cheia”, como o tipo do filme.
(...)
A revelação era surpreendente...
Um dos atores secundários de “Quem Porfia Mata Caça” era “o seu vivo retrato”!
Comparando a fotografia com a imagem do “empregado da recepção do hotel” constatou que não havia uma mínima diferença entre os dois.
A hipótese de ter um irmão gêmeo “perdido por aí” era simplesmente absurda. Mas o tipo era idêntico a ele!
Logo se viu pensando que, talvez naquela mesma cidade, vivesse um tipo que era a sua “duplicação” perfeita...
(...)
O cansaço o havia atingido sem clemência...
Passado alguns instantes, ficou sem saber se suas ideias eram produto da plena consciência ou se seu estado de adormecimento o fazia delirar.
O esforço mental a que se submeteu provocou-lhe ânsias... Cogitou várias possibilidades para o estranho caso em que ele estava no centro de uma questão fenomenal... Pensou mesmo que talvez “uma alteração fortuita num determinado quadro genético tivesse por efeito um ser semelhante a outro gerado num quadro genético sem qualquer relação com ele”...
Cogitou que algo até então totalmente desconhecido dos cientistas poderia ter ocorrido...
É claro que continuou a considerar a situação absurda... Mas outras indagações o incomodaram... Será que tudo o que ocorria a um acontecia também ao outro? O fato de há cinco anos usarem bigode podia ser indicativo de simultaneidade ou conexão?
Tertuliano notou que não poderia aprofundar aquelas ideias... E também não poderia transformar aquilo numa tragédia. Devia, sim, encerrar o episódio por ali, e entender que foi por acaso que tomou conhecimento do fenômeno... O mais comum seria passar toda a sua vida de simples professor de História sem qualquer contato com o “duplicado”.
(...)
Isso o levou a recordar que estivera corrigindo exercícios e formulando registros a respeito dos erros de seus alunos...
Então passou a refletir novamente sobre a sua condição de “duplicado”... Qual o significado daquilo? Seria ele o “erro” e o “outro” o “verdadeiro”?
Era preferível não lidar com essa problematização... Tinha de deixar as coisas como elas são e estão... E se os outros percebessem sua inquietação?
A cabeça pareceu-lhe ainda mais pesada...
Dessa vez um sono mais profundo o derrubou.
Leia: O Homem Duplicado. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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