domingo, 25 de setembro de 2016

“O Homem Duplicado”, de José Saramago – dificuldades para colocar fim ao relacionamento com Maria; sem arrependimentos por envolvê-la na trama; escrevendo a carta à produtora de filmes; sonhos confusos, fragmentos dos últimos dias

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2016/09/o-homem-duplicado-de-jose-saramago_24.html antes de ler esta postagem:

Depois de finalizar a conversa com a da Paz, Tertuliano sequer conseguia pensar nos motivos que tinha para festejar a conquista de seu intento... Desgastara-se tanto que transpirava copiosamente... Em seu íntimo sabia que tinha acabado de sair de um debate, e que Maria mais uma vez fora vencedora.
A parte que o interessava (a outra autorizou o envio de carta à produtora em seu nome) foi obtida a custa de vários recuos que pareciam táticas para sufocá-lo aos poucos... Por vários momentos ele imaginou que estivesse “encurralando Maria da Paz”, mas conforme conversaram percebeu que era ele quem ficava cada vez mais cercado e sem argumentos.
Tertuliano se sentia aliviado após o fim da conversa com Maria da Paz... Mas ele sabia que o relacionamento se tornava ainda mais insuportável. O que esperar das próximas ocasiões?
(...)
Definitivamente estava perdendo o controle... Desde que a conhecera procurou mantê-la à distância em relação à sua vida particular. Depois de seis meses chegava o momento da separação, mas nada podia fazer nesse sentido porque se viu na necessidade de pedir o seu auxílio no imbróglio que só a ele pertencia.
Ele sabia que o Senso Comum apareceria para jogar-lhe na cara que suas iniciativas eram as de um aproveitador... Já tinha uma resposta pronta também para isso... Poderia fazer diferente? Que culpa tinha se soubera que vivia a inusitada condição de duplicado? Teria de “inventar” procedimentos que o levasse a uma explicação...
A ideia da carta foi providencial... Não podia se culpar pelo fato de “abusar da confiança” de Maria... Ela o amava... Havia quem fizesse coisas muito piores e nem por isso eram execrados publicamente.
(...)
Não podia perder tempo com essas ilações... Por isso colocou uma folha na máquina de escrever e pôs-se a pensar.
Pelo menos sabia que devia elaborar um “texto de admiradora”... Não podia exagerar em bajulações porque o ator não era nenhum astro reconhecido pela crítica especializada... Pediria uma fotografia autografada... Talvez o nome verdadeiro do tipo nem fosse Daniel Santa-Clara! O mais importante era obter o telefone, talvez seu endereço...Isso era ousado...
Mas era preciso tentar.
O que poderia ocorrer? Talvez a produtora respondesse às perguntas da fã... Talvez enviasse carta lamentando o fato de não poder fornecer as informações solicitadas... Também podia ocorrer de encaminhar a carta diretamente ao seu destinatário.
Essa última possibilidade foi a que Tertuliano menos considerou... Se a produtora assim agisse era porque não levava em consideração a vida já sobrecarregada de seus atores... Era bem provável que o próprio escritório cuidasse desses casos... Fotografias previamente autografadas deviam estar à disposição para esse tipo de eventualidade.
(...)
A elaboração da carta não foi nada fácil...
Mais de uma hora se passou desde que a máquina foi acionada... Provavelmente a vizinha do andar de cima tivesse se incomodado com o barulho...
Num determinado momento o telefone tocou... Mas Tertuliano estava tão concentrado no que fazia que sequer deu atenção ao aparelho.
(...)
A noite de sono não foi das mais tranquilas... Os sonhos que chegaram o deixaram perturbado...
Num deles, a reunião do conselho estava esvaziada porque os docentes não compareceram... De repente surgiu um corredor sem saída... Depois se viu tentando colocar uma fita de vídeo no aparelho que a enjeitava... Numa sala de cinema o projetor exibia a mais pura escuridão... Também uma lista telefônica apareceu em suas mãos e a página que estava aberta exibia apenas um nome de cima até embaixo, mas ele não conseguia ler...
Noutro fragmento de sonho, recebia na porta de casa uma caixa contendo um peixe... Também apareceu um tipo que carregava uma pedra nas costas e anunciava que era um amorreu.
Depois de acordar lembrou-se mais ou menos dos sonhos.
Pensou que aquele da caixa que chegava à porta de sua casa não trazia um tamboril... Não podia ser porque a caixa não era das grandes.
Leia: O Homem Duplicado. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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