sexta-feira, 9 de setembro de 2016

“O Homem Duplicado”, de José Saramago – retorno à locadora de vídeos; trinta e seis novos filmes e um fim de semana inteiro pela frente; de calculadoras, cálculos mentais e conhecimento que os sujeitos podem adquirir

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2016/09/o-homem-duplicado-de-jose-saramago.html antes de ler esta postagem:

É manhã de sexta-feira.
Ao reler o que o texto que pronunciara, e que ficou gravado no telefonema à Maria da Paz, Tertuliano percebeu que aquilo mereceria uma revisão... A ideia de ter incluído a mensagem de que eram amigos, e que manteriam a amizade, não combinava com o seu propósito de por fim à relação... Ter se despedido com “um beijo” também não foi de bom tom...
Só então se pôs a pensar que desde sempre ocorrem situações em que uma das partes almeja finalizar um relacionamento, até mesmo pretendendo eliminar o outro, mas, devido às excessivas delongas, termina “em seus braços”.
Mas o que fazer? Concluiu que não poderia gravar “um golpe final” por telefone... Seria muita covardia de sua parte!
Pretendia que ela entendesse que as coisas não seriam como antes... Sentiu que a mensagem pudesse não ter sido clara. Todavia não podia mais pensar na situação, afinal fez o que fez porque era o melhor que conseguiu.
(...)
De acordo com o horário escolar, Tertuliano só ministraria aulas mais tarde.
Tinha ainda outros três filmes para assistir. Mas planejou retornar à locadora de vídeos para devolver “Passageiro sem Bilhete”...
Após o desjejum, organizou as fitas numa gaveta e tratou de trancá-las. Dirigiu-se à vizinha arrumadeira para avisar que estava de saída, só retornaria mais à tarde e que, dessa forma, ela poderia cuidar da limpeza do apartamento.
(...)
Tertuliano estava muito interessado em conhecer os outros títulos. Decidiu que o fim-de-semana seria bem aproveitado se fosse dedicado à investigação...
O professor guiou por ruas e avenidas seguindo o trajeto à loja.
(...)
O tipo que o atendera nas duas outras vezes estava ocupado... Uma funcionária, nova no trabalho, caminhou na direção de Tertuliano. Mas o outro a interrompeu garantindo que ele mesmo cuidava das demandas do cliente que acabara de chegar.
O funcionário o cumprimentou com cordialidade e apressou-se a organizar trinta e seis outros títulos da produtora sobre o balcão... Nem parecia o mesmo que no dia anterior havia murmurado uma zanga contra o nome do professor. Estava claro que, se o excêntrico cliente resolvesse não adquirir definitivamente os filmes, ao menos podia render boa féria se os locasse.
É bem provável que a nova funcionária tenha ficado admirada com o que viu... Certamente tinha muito a aprender, e o trabalho parecia promissor.
Tertuliano entregou o “Passageiro Sem Bilhete” e anunciou que compraria “A Morte Ataca de Madrugada” e “O Código Maldito”... Explicou que não tivera tempo de assistir aos outros três títulos (“A Deusa do Palco”; “O Alarme Tocou Duas Vezes”; “Telefona-me Outro Dia”).
O rapaz pegou a ficha de locação, fez anotações e fez os cálculos... O professor de História apressou-se a dizer que supunha que os vídeos empilhados no balcão haviam sido reservados para a sua análise.
O tipo confirmou... Tertuliano quis saber quantas horas de filme havia ali... O funcionário colocou a calculadora para funcionar tomando por base a duração de noventa minutos por filme, mas o professor adiantou-se mais uma vez e respondeu que o total era de cinquenta e quatro horas.
Mas não era de se admirar? O moço ficou encantado com a rapidez no cálculo mental e quis saber se o cliente ministrava aulas de Matemática... Tertuliano respondeu que sua área de conhecimento é História e que sempre tivera dificuldade com os números. Acrescentou que a conta em questão era bem simples.
O rapaz explicou que depois que passou a usar calculadoras parou de “exercitar a cabeça”... Concluiu que era muito interessante saber que o cliente ministrava aulas de História e não de Matemática... Também por isso devia considerar que o conhecimento é maravilhoso.
Está certo... Tertuliano concordou... Mas acrescentou que isso depende do tipo de conhecimento que se pretende assimilar... O rapaz quis concluir dizendo que se deve levar em consideração o sujeito que “busca conhecimento”.
Tertuliano respondeu que se o jovem era capaz de chegar àquele juízo (então) não necessitava de calculadora para nada.
Mesmo sem ter compreendido totalmente o que o cliente dissera, o funcionário levou em consideração que só podia ser algo simpático... Ao encerrar o expediente se esforçaria para não se esquecer de dizer a mesma frase à esposa.
Com o auxílio de lápis e bloco de notas fez o cálculo da locação das trinte e seis fitas... Decidiu que, pelo menos no atendimento a Tertuliano, evitaria a calculadora.
As fitas foram divididas em duas embalagens... O próprio funcionário o ajudou a colocá-las no porta-malas do carro.
Leia: O Homem Duplicado. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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