sábado, 22 de outubro de 2016

“O Homem Duplicado”, de José Saramago – a intromissão de Tertuliano nas vidas de Antônio Claro e da esposa transtornou-os; as preocupações não deixarão Helena em paz; o ator se considera moralmente agredido

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2016/10/o-homem-duplicado-de-jose-saramago_21.html antes de ler esta postagem:

O dia seguinte é sempre mais um de rotina de trabalho...
Helena era funcionária numa agência de turismo... Enfrentava o mesmo trânsito que penaliza os demais mortais que têm de atravessar a cidade para chegar ao emprego.
Antônio Claro podia demorar-se um pouco mais para se levantar porque não teria filmagens... Aliás, o último projeto da produtora estava em fase de finalização.
Ao se retirar silenciosamente da cama, a mulher pôde constatar com tranquilidade o quanto a noite havia sido como as outras... A claridade da manhã anunciava a normalidade das coisas. Quanta imaginação!
Brincou com os próprios devaneios, que a levaram a imaginar fantasias e fantasmas... Olhou para o sofá onde gostava de descansar e sorriu ao cravar que ali devia ser o local escolhido pelo fantasma.
(...)
Talvez fosse melhor dizer que com essas coisas não se brincam...
Só mesmo Helena poderia nos contar a razão pela qual se sentou por tempo considerável no sofá, atrasando-se para o trabalho... Só ela teria condições de explicar por que abriu a lista de telefones para copiar o número do Tertuliano Máximo Afonso.
Antes de se retirar, dirigiu-se ao marido para beijar-lhe e desejar-lhe um “bom dia”.
Antônio despertou... Preocupou-se com o horário da esposa e questionou sobre o que fariam a respeito de Tertuliano e sua história maluca... Helena quis saber qual era a intenção do esposo, que revelou que estivera a pensar sobre a possibilidade de encontrar-se com o tipo... Mas após a noite de sono já não tinha certeza se era isso o que pretendia.
Helena lamentou... Disse que era uma questão de abrir ou fechar a porta da casa ao estranho. Sentenciou que a vida do casal já não seria a mesma. Para Antônio Claro a situação estava em suas mãos... Mas a mulher não pensava da mesma maneira e disse que o “aparecimento do homem” independia de suas vontades... E era como se o tipo estivesse do lado de fora do apartamento só esperando a oportunidade para invadir a privacidade deles.
Antônio entendeu que a esposa estava muito pessimista... Disse que um encontro resolveria tudo... Ou eram mesmo idênticos ou não... No fim das contas a curiosidade seria resolvida e se afastariam para sempre.
A mulher não dissimulou seu pessimismo... Garantiu que não era qualquer encontro que solucionaria a questão... O tipo permaneceria à espera, aguardando que fosse convidado a entrar. Antônio argumentou que bastaria esquecerem... Helena falou que aquilo era uma possibilidade, mas não uma certeza.
Essa conversa não podia prosseguir porque o trabalho a esperava... Antes de sair, Helena perguntou se Antônio telefonaria para o tipo naquele mesmo dia. Ele ajeitou-se na cama e disse que aguardaria uns dias... Talvez a indiferença fizesse com que o episódio esmorecesse até tornar-se completamente nulo.
(...)
Depois que Helena se retirou, Antônio Claro levantou-se... É evidente que, se a intromissão do Tertuliano em nada tivesse alterado sua vida, teria se acomodado novamente para mais um período de sono...
Certificou que o dia seria de calor... Preparou o desjejum e pensou nas curtas frases de Helena. E em síntese elas queriam dizer que ambos teriam o tipo inconveniente permanentemente em suas cabeças.
Depois pensou no que ele mesmo afirmara... Duvidou da eficácia da estratégia de aguardar para que o tempo sepultasse o episódio... Talvez um encontro secreto ou mesmo um telefonema agressivo fossem mais eficazes.
Antônio reconheceu que talvez não tivesse retórica a altura da necessidade que a ocasião exigia... Pensou nas palavras de Helena, sobre enxergar o outro cada vez que o olhasse, e entendeu um pouco melhor o quanto o tipo fizera mal às suas vidas.
O ator sentiu-se moralmente atingido... Enxergou um “elemento adulterino” nas palavras da esposa. Irritou-se e começou a pensar numa ideia, algo revanchista.
Algo maquiavélica? O próprio Saramago salienta que a ideia de seu personagem não pode ser classificada como ”à altura de Maquiavel”.
Leia: O Homem Duplicado. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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