terça-feira, 29 de novembro de 2016

“O Homem Duplicado”, de José Saramago – gravações na própria secretária eletrônica e reencontro com a mãe

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2016/11/o-homem-duplicado-de-jose-saramago_28.html antes de ler esta postagem:

Tertuliano telefonou para a casa da mãe... Queria manifestar que estava vivo... Mas o aparelho chamava e ninguém atendia.
O professor concluiu que dona Carolina estava a caminho da cidade... Certamente já fora notificada a respeito da tragédia. Talvez tivesse alugado um táxi e, contando com a compreensão do chofer, já estivesse na cidade grande.
Bem podia ser que dona Carolina já estivesse no apartamento do filho a chorar a sua aflição.
Nesse caso Tertuliano devia tentar telefonar para o próprio apartamento... E foi o que ele fez. Mais uma vez sua chamada não foi atendida por ninguém. Pensou que a polícia podia não ter avançado nas investigações...
Sem conseguir uma explicação, lembrou que em seus pertences (que estavam com o falecido Antônio Claro) e também nos de Maria da Paz havia anotações de agenda sobre a quem comunicar em caso de acidente...
Com essa convicção, entendeu que precisava voltar a telefonar para o apartamento... Certamente a mãe apareceria por lá. Na segunda tentativa a secretaria eletrônica disparou a gravação e ele ouviu a própria voz solicitando para que fosse deixado um recado.
Tertuliano teve uma sensação bem estranha, pois era como se estivesse a ouvir a voz de um defunto... Certamente fariam outra saudação caso o aparelho ainda fosse aproveitado por alguém. Ele nem pensou que no telefonema que dera anteriormente a secretária eletrônica não iniciara a fita automaticamente.
Depois de alguns instantes, Tertuliano tomou fôlego e pronunciou uma mensagem à mãe... Explicou que não era verdade que estivesse morto, pois estava bem vivo e com saúde... Emendou que oportunamente explicaria o que havia se passado... Deu o nome do hotel onde havia se instalado e os números do quarto e do telefone... No final pediu para que lhe telefonasse assim que chegasse, e se despediu pedindo para que ela não chorasse mais.
(...)
Por três vezes ele pediu para a mãe não mais chorar... Mas assim que desligou o aparelho, foi ele que despejou as lágrimas e toda a sua desorientação.
Estava debilitado demais e deixou-se cair na cama... Lembrou-se de que não havia almoçado ainda... Seu estômago protestou e isso o fez seguir para o banheiro com a sensação de que vomitaria... Em vez de eliminar um revirado qualquer, sua boca expeliu uma “espuma amarga”.
Ao retornar para o quarto pensou na gravação que havia deixado na secretária eletrônica e achou melhor acrescentar outras informações. Telefonou mais uma vez para a própria casa e explicou que estava usando o nome de Antônio Claro... Parou um instante e emendou que “o cão se chama Tomarctus”.
Citar o nome do cão de dona Carolina na gravação equivalia a comprovar que se tratava mesmo de Tertuliano... Poderia ter citado muitos episódios da infância e adolescência no interior, mas o nome que ele mesmo dera ao bicho comprovava que o filho de dona Carolina estava vivo de verdade.
(...)
Depois de uma hora o telefone do quarto tocou.
Chamavam da recepção do hotel... O funcionário explicou que certa Carolina Claro o aguardava. Tertuliano pronunciou para si mesmo que aquela era a sua mãe... Depois disse ao tipo que desceria para ter com ela.
Começou a descer numa correria só... Mas considerou que o mais correto seria ponderar nas manifestações de afeto para não chamar a atenção dos demais hóspedes. O elevador demorou um pouco e isso contribuiu para que sua excitação diminuísse.
Parece que Dona Carolina também havia pensado sobre como apresentar-se diante do filho que era dado como morto... É que ela também não se derramou sobre ele, não o cobriu de beijos e não se pronunciou com o espanto dos que avistam um fantasma.
No quarto, Tertuliano abraçou dona Carolina mais uma vez... Manifestou todo o seu contentamento por estar diante da mãe... Por sua vez, a mulher se mostrou comedida... Como que a agradecer, atestou o fato de estar diante do filho legítimo.
Mas não devemos esquecer que dona Carolina, assim como o Senso Comum, fizera de tudo para que o teimoso e temperamental professor evitasse novos contatos com o duplicado.
Escapar de vez daquela história maluca significaria evitar a tragédia... Mas agora era tarde... Duas pessoas estavam mortas!
Dona Carolina exigiu que o filho lhe contasse tudo... Sem meias verdades ou mentiras.
Leia: O Homem Duplicado. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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