Os registros de 22 de abril de 1893 dão conta de como Helena e Luisinha passaram o feriado do dia anterior*.
* o 21 de abril em homenagem ao herói da Inconfidência Mineira, o Tiradentes condenado à morte em 1792, havia sido instituído em 1890.
Conrado e Aurélia, os tios, as convidaram a passar o dia numa localidade conhecida como Prata. A menina destacou que a paisagem era das mais agradáveis, com um rio “encachoeirado” e vários sítios para passear.
Infelizmente para elas, o tio Conrado não permitia que seus filhos (e também as duas) andassem descalços rio abaixo, subissem nas árvores ou procurassem gabirobas e outras frutas em locais mais afastados.
“Não se pode fazer nada”! Assim Helena sintetizava as proibições impostas pelo tio.
O que levava as garotas a toparem passar o dia com aquela família era o fato de tia Aurélia ser quituteira das boas. Ela fazia doces tão bons quanto os de Siá Generosa.
Se não podiam se divertir como queriam, pelo menos aproveitavam os “bolos, pastéis, craquinéis e tudo do que a tia fazia para vender”.
(...)
Outra reclamação de Helena era a pescaria que o tio Conrado
proporcionava. As crianças tinham de se comportar à beira do rio e não podiam
falar. O menor movimento que faziam era motivo de advertência!
O tio levava a sério a pesca do lambari e organizava uma bela tralha com
muitas varas e anzóis. Mas os peixes sequer “beliscavam a isca”!
Neste ponto de suas considerações, Helena afirma que gostaria que os
tios, primos e primas fossem passar um dia de “passeio no campo” com seus pais
no Rio Grande. Evidentemente seu Alexandre e dona Carolina eram mais tolerantes
em relação ao divertimento dos filhos.
Ao comparar as duas famílias, Helena lamenta o fato de as primas terem “um
pai tão metódico”, como elas mesmas diziam. O seu dia-a-dia era marcado por
regras e horários para tudo. Elas tinham de ter muito cuidado com o modo de
falar e como se comportavam.
(...)
Primos e primas observavam
que os pais de Helena e Luisinha não lhes davam da educação que eles estavam
habituados, mas sempre as convidavam para os passeios.
Ela confessa que ao final de
“um dia de lazer” com os primos e familiares ficava mais cansada do que se tivesse
trabalhado o tempo inteiro, de tanto que tinha de fingir-se educada perto
deles.
Helena sentia pena
das primas e primos... Era bem provável que eles também tivessem pena dela e de
seus irmãos por causa de seu modo de ser.
(...)
Não devia ser nada fácil para a garota definir um juízo a respeito de
quem estava certo naquela história. Todavia ela concluía que “Deus castiga
gente educada”.
A esse respeito, Helena
argumentava que nunca vira o tio Conrado levar para casa um lambari sequer depois
de uma de suas pescarias. Também os primos não conseguiam capturar passarinhos
em suas armadilhas.
Bem o contrário era o que
acontecia quando ela e os irmãos iam passear pelo campo. Renato e Nhonhô
pegavam tantos lambaris e bagres que até vendiam alguns... Também traziam
muitos passarinhos para casa (pintassilgos, curiós e muitos outros).
Certa vez Renato explicou-lhe por que o tio
Conrado não conseguia pescar os lambaris. O rapaz disse que provavelmente ele
insistisse em colocar no anzol uma bolinha de algodão envolvida num “angu de
farinha de mandioca”. Os peixes “não são bobos”, gostam de minhoca e não dão a
mínima atenção para esse tipo de massa.
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2017/03/minha-vida-de-menina-de-helena-morley_29.html
Leia: Minha
Vida de Menina. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto