No registro de 6 de julho de 1893, Helena apontou que num dos dias passados estivera com Luisinha na casa da tia Aurélia.
As duas tiraram umas horas para brincar com as primas. Helena destaca que a casa da tia ficava na cidade. Como já foi destacado na postagem anterior, tio Conrado era muito rigoroso com os filhos. Eles não podiam brincar na rua e para complicar ainda mais, a casa deles sequer tinha jardim.
A brincadeira das meninas resumia-se a “dar comidinha para as bonecas” o dia inteiro. Helena confessa que, aos treze anos, já não tinha o menor interesse nesse passatempo. Por isso ficou com os primos mais velhos que se inspiravam na própria mãe e faziam doces para vender.
(...)
Dona Aurélia arranjou dinheiro para os dois. João
Afonso comprou amendoim, Sérgio comprou coco. Helena se divertiu ajudando-os. O
primeiro pôs-se a fazer pés-de-moleque enquanto que o outro parecia levar jeito
na confecção de cocadas.
As cocadinhas ficaram boas. Mas João não conseguiu acertar o seu doce,
que parecia não ter a liga ideal. Era visível que o ponto não tinha ficado bom,
então os demais experimentaram e passaram a caçoar e dar boas risadas da
situação.
João irritou-se e subiu na mesa para espezinhar o
resultado de seu esforço tão logo notou que as cocadas estavam prontas para
serem vendidas.
Helena e Sérgio convenceram-no a deixar de nervosismo e que melhorasse o
melado. As pessoas que comprassem não teriam a menor ideia do que tinha
ocorrido... Ele se convenceu depois que lhe disseram que “o que os olhos não
veem o coração não sente”.
O doce foi colocado novamente no tacho. O rapaz requentou a mistura e
mexeu até que acertasse o ponto. Depois voltou a despejá-la na mesa para cortar
no tamanho adequado. Todos notaram que a correção se dera em bem-sucedida.
Então o rapaz organizou tudo numa bandeja e entregou à Delmira, que era a negra
encarregada de vender as quitandas atrás da igreja da Sé. Cada doce era vendido
por “um cobre”, três doces saíam por “cem réis”.
(...)
Os primos se posicionaram na sacada para observar a movimentação em torno
da bandeja de Delmira. Eles queriam ver se as pessoas comeriam os
pés-de-moleque que tinham sido pisoteados pelo João.
O rapaz não conseguia esconder
o seu nervosismo a cada vez que isso acontecia. Andava de um lado para outro e
desejava que a negra trouxesse os doces de volta. Se doía de remorso e dizia
que sua maldade o levara a cometer um pecado.
Aconteceu que Helena se divertiu com aquilo tudo. Com a ajudo dos
demais, convenceu-o a aceitar que “porcaria cozida não faz mal”.Afinal, quem se importava com aquilo?
(...)
Os registros do dia 24 de julho de 1893 fazem referências a um jantar de
aniversário que ocorrera no dia anterior, um domingo.
No momento mesmo em que
escrevia, Helena manifestava sua satisfação por poder relatar em seu diário os
episódios que vivenciava. Dava razão ao pai, que a incentivara a escrever
também para guardar as recordações.
Poderia guardar na memória casos tão engraçados como o
que havia assistido no aniversário de Siá Aninha? Concluiu que pelo menos teria
motivos para boas gargalhadas quando retomasse o caderno no futuro.
(...)
A aniversariante convidou dona Carolina para o jantar e salientou que
levasse também os filhos, pois haveria muita comida.
De fato, seu Antônio Manuel costumava caprichar quando
recebia as pessoas em sua casa.
Helena não esconde que nessas
ocasiões aproveitava o mais que podia e, esperta como ela só, sentou-se à
primeira mesa, “onde tudo é melhor”.
Tratou de não chamar a atenção de ninguém e permaneceu quieta junto aos
que tinham fama de bons comedores e bebedores.
Foi assim que acabou presenciando situações
nunca imaginadas por ela ou pelas colegas de escola.
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2017/03/minha-vida-de-menina-de-helena-morley-o.html
Leia: Minha
Vida de Menina. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto