Houve certo domingo em que o próprio Teodorico visitou o casebre onde vivia o Xavier, na Rua da Fé...
Em suas memórias ele registra que o outro vivia com a mulher e as três crianças num ambiente deplorável e praticamente sem móveis... Numa cadeira revestida com uma palha gasta estava a única bacia que todos ali utilizavam para lavar o rosto pela manhã. Especificamente o Xavier cuspia catarros carregados de sangue naquele mesmo recipiente.
A Cármen estava que era um trapo só... Despenteada e arrastando chinelas... Carregava uma bata suja e manchada de vinho. A criança que ela trazia nos braços tinha a cabecinha cheia de feridas... O estado geral do ambiente e dos que ali viviam era mesmo lamentável.
(...)
Xavier
foi logo entrando nos detalhes com o “primo distante”... Disse que tinha fé de que
a tia Patrocínio, tão rica, cheia de propriedades e tão religiosa o socorresse.
Afinal ele era um parente, um Godinho! Ela não permitiria que ele continuasse
naquele estado, vivendo num barraco, “sem lençóis, sem tabaco, com os filhos em
redor, esfarrapados, a chorar por pão”...
Vinte mil-réis que
ela concedesse, “uma mesadinha”, ao
pobre parente o ajudaria muito... Ao mesmo tempo, para ela, a quantia era insignificante!
O raciocínio do rapaz colocava Teodorico em condição de interceder por ele
junto à parenta rica.
Ele
quis sensibilizá-lo... Pediu para contar a ela tudo o que estava vendo... Ele
mesmo podia conferir, pois era só olhar para as crianças.
Xavier chamou um dos
meninos de nome Rodrigo e perguntou-lhe o que havia comido no almoço... O
menino respondeu que sua refeição não passara de um pão amanhecido. O rapaz
emendou que nem manteiga tinham e mais uma vez apelou para a sensibilidade de
Teodorico ao dizer que aquela era a vida que levavam. A situação era mesmo de
muita dificuldade...
Teodorico despediu-se
prometendo que contaria à Titi a respeito da situação de Xavier, um Godinho que
estava vivendo miseravelmente.
Mas
na verdade ele não tinha a menor intenção de falar, pois sabia que ela se
enfureceria ao saber de sua aproximação em relação ao moço de péssima conduta.
E isso sem contar que estivera naquele “casebre impuro” que o Xavier dividia
com a espanhola cheia de pecados!
(...)
Teodorico nada disse
à tia a respeito do Xavier... Não retornou à Rua da Fé para não se comprometer
mais ainda com o tipo moribundo e empobrecido.
No dia da “Natividade
de Nossa Senhora”, no mês de setembro, Teodorico foi informado pelo Doutor
Barroso que o Xavier pretendia falar-lhe em segredo... O estado de saúde do
primo tornara-se precário demais...
Teodorico resolveu visitá-lo na tarde daquele mesmo dia... Sentiu que a
atmosfera do casebre era a de moléstia das graves... Na cozinha estavam a
Cármen e outra espanhola chamada Lolita a conversar... As crianças estavam no
chão devorando o que restara de um caldo aguado.
Na cama, enrolado numa coberta, o Xavier tossia sem controle... Ao seu
lado estava a bacia com vários escarros de sangue. Seu espanto ao ver o
Teodorico contrastava com sua debilidade física... O Raposo quis saber o que
aquilo tudo significava e ouviu umas palavras obscenas e desesperançadas.
Para o moribundo, sua condição era extrema...
Estava
perdido! Na sequência, disse que havia escrito uma carta com todo o seu
sentimento à tia, mas ela não respondeu... Então resolveu enviar um anúncio ao “Jornal
de Notícias” pedindo esmola...
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2017/09/a-reliquia-de-eca-de-queiroz-da_89.html
Leia: A
Relíquia – Coleção “Biblioteca Universal”. Editora Três.
Um abraço,
Prof.Gilberto