sábado, 30 de setembro de 2017

“A Relíquia”, de Eça de Queiroz – da “Biblioteca Universal” – por intermédio da criada de Adélia, Teodorico fica sabendo que está sendo traído; juntando mentiras, conquistando ainda mais a confiança da tia e planejando o flagrante

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2017/09/a-reliquia-de-eca-de-queiroz-da_30.html antes de ler esta postagem:

Aconteceu que numa ocasião em que estava no Montanha a bebericar um refresco, Teodorico foi interrompido por um funcionário do estabelecimento com a informação de que certa Senhora Mariana o aguardava numa esquina próxima.
Teodorico logo pensou que só podia se tratar da criada de Adélia. Certamente a mulher trazia-lhe más notícias a respeito de suas dores nos lados do corpo. Seu receio era tal que enquanto se encaminhava à criada achou que talvez devesse rezar o rosário em honra “das dezoito aparições de Nossa Senhora de Lurdes”... Foi a tia beata quem ensinou que isso era um santo remédio para os “casos de pontada” ou de ataque de touros bravos.
A mulher o levou a um pátio fétido... Via-se que ela estava muito irritada e que havia tido uma discussão nervosa com a patroa. Em síntese, contou sobre situações muito desagradáveis a respeito do que ocorria na casa e que Adélia o enganava. Ele devia saber que aquele Adelino não era sobrinho dela, mas um amante da pior espécie.
Então era isso... Logo que Teodorico deixava os aposentos da amada o outro chegava. Adélia entregava-se aos caprichos do Adelino. Os dois diziam várias ofensas contra o que acabava de se retirar e ainda escarravam em seu retrato. E para que haviam sido as oito libras? O dinheiro foi usado pelo Adelino que comprou um belo terno para o verão... Sobrou até para o casal passear pela feira de Belém!
(...)
Teodorico ouviu com atenção e sentiu-se enojado... A Senhora Mariana explicou que Adélia tinha adoração pelo Adelino, a quem dedicava-se como se fosse uma serva. Ele mesmo poderia conferir! Era só ir à casa durante a noite e esperar que uma hora se passasse para bater à porta.
O Raposo suou... Evidentemente sofria... Agradeceu à Mariana e a dispensou com um “vá com Deus”.

(...)

Quando chegou ao casarão, foi abordado pela tia. Ela notou que ele estava bem abatido... O que teria ocorrido? Ela quis saber. Teodorico respondeu que estivera na Igreja da Graça... Dona Patrocínio disse que, então, se trazia as pernas moles daquele jeito, só podia ser porque tinha visto que a beleza de Nosso Senhor estava diferenciada.
Teodorico concordou. Mas acrescentou que havia tristeza no semblante de Nosso Senhor... E tanto estranhou que até comentou a respeito com o padre Eugênio. Seria desgosto? O religioso respondeu que não era para menos, pois havia muita patifaria no mundo... O rapaz contou à tia que concordava com o padre e emendou que havia também ingratidão, falsidade e traição...
Ele falava sobre essas coisas remoendo-se de tristeza e indignação por tudo o que Adélia lhe aprontara. Estava revoltado, mas não podia externar sua ira na presença de Dona Patrocínio... Mas aproveitou para mentir um pouco mais e garantir e consolidar um pouco mais o seu status de moço beato e bem comportado. Evidentemente já planejava um modo de manter-se fora de casa até as altas horas para flagrar Adélia.
Juntou um pouco do que tinha contado ao Justino (na ocasião em que conseguiu as oito libras) com o drama do Xavier e passou a falar sobre a lamentável condição de um condiscípulo a quem auxiliava abnegadamente... Disse que o moço, que era “respeitador das coisas santas” e muito bom nas redações para o “Nação”, estava nas últimas.
A tia entendeu que Teodorico tinha motivos muito honestos para se sentir triste. Assim o rapaz se sentiu à vontade para comunicar que a situação do moribundo era das mais precárias e que cabia a ele e a outros condiscípulos os cuidados de enfermeiros que ele tanto necessitava.
Com um semblante carregado de compaixão, Teodorico explicou que, naquela noite, ele devia se encarregar de tais cuidados... Será que a tia não lhe permitiria ficar até as duas da madrugada? Depois outro, que inclusive era deputado, o substituiria.
Dona Patrocínio concordou... E mais que isso, garantiu que pediria em suas preces a São José que o condiscípulo enfermo de seu sobrinho tivesse uma morte “sonolenta e ditosa”... O rosto de Teodorico se iluminou no mesmo instante. Mas que grande favor!
Na sequência ele falou que o moço se chamava Macieira... São José precisava saber que ele era vesgo...
Leia: A Relíquia – Coleção “Biblioteca Universal”. Editora Três.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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