sábado, 11 de novembro de 2017

“A Relíquia”, de Eça de Queiroz – da “Biblioteca Universal” – ao Teodorico resta a significativa relíquia de Maricocas envolvida no papel pardo; tristes colinas de Judá; o Monte da Quarentena; a planície outrora comparada ao abundante vale do Nilo parecia ainda padecer da cólera divina

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2017/11/a-reliquia-de-eca-de-queiroz-da_4.html antes de ler esta postagem:

Depois de redigir a carta, Teodorico dirigiu-se ao tabique e encostou o ouvido na intenção de captar algo do quarto da Cibele...
Nada ouviu... Certamente a moça dormia sem saber que do outro lado havia alguém que só tinha olhos para ela. Isso o irritou a tal ponto que sua reação imediata foi a de cerrar o punho e proferir um “besta”, referindo-se à desconhecida.
Na sequência, o rapaz foi ao guarda-roupa, de onde tirou o embrulhinho de papel pardo com o camisão de Mary. Beijou a relíquia da amada que vivia em Alexandria.


(...)

Na manhã seguinte, Topsius liderou a visita ao Jordão...
Percorreram as colinas de Judá... Teodorico enfastiou-se com a monotonia do caminho. As colinas se sucediam arredondadas e secas... O solo esbranquiçado queimava e tornava a peregrinação ainda mais desgastante. Tudo lhe parecia triste como um jazigo. Raríssimos animais davam o ar da graça... Apenas alguns lagartos e nada mais! Em elevada altitude via-se um abutre que parecia acompanhá-los.
(...)
Os expedicionários acamparam quando a tarde caiu em Jericó. Armaram as tendas e só então puderam se recompor bebendo limonada sobre um macio tapete... Nas proximidades havia um riacho ladeado por arvoredos e flores que produziam agradável perfume... O ambiente era mais do que satisfatório e compensou a árdua travessia. A variedade de flores surpreendia (algumas pareciam giestas, outras eram lírios brancos, além das muitas ervas de avantajado porte). Cegonhas perambulavam silenciosamente de um lado para outro.
Na direção de Judá, a vista que se tinha era a do Monte da Quarentena* (torvo, fusco na sua tristeza de eterna penitência).

                  * Há uns seis quilômetros de Jericó; local conhecido pelo retiro espiritual de Jesus, que teria durado quarenta dias; de acordo com o trecho bíblico (capítulos 3 e 4 do Evangelho de Lucas), o demônio O levou ao ponto mais alto para tentá-Lo.

Para os lados de Moabe, uma terra a perder-se de vista, estava Canaã e, mais adiante, o Mar Morto.
Pela manhã, os alforjes foram guarnecidos... Assim o sustento dos romeiros pôde ser garantido na continuação da travessia da vasta planície. No caminho, Topsius explicou que, no passado, a região abrigara movimentadas cidades que se comunicavam por caminhos repletos de vinhedos. As famílias que as ocupavam tinham todas as possibilidades de tirar seu sustento da terra e produzindo bons vinhos.
Teodorico entendeu que aquela atmosfera já havia sido muito melhor, marcada pelo aroma de incensos e perfume de flores. Caravanas que chegavam à localidade passando por Ségor (ou Segor; a cidade é descrita em Gênesis) comparavam o vale ao Egito, reconhecido pela abundância proporcionada pelo Nilo, e diziam que aquele só podia ser o “verdadeiro pomar” do Senhor.
Mas então, o que explicaria a transformação do lugar?
Topsius ouviu a pergunta do companheiro português e sorriu sem esconder seu sarcasmo. Respondeu que o Altíssimo se aborreceu e por birra “arrasou tudo”... Manifestou Sua ferocidade e mau-humor.
(...)
Logo avistaram o Mar Morto. Via-se as suas águas faiscantes e estagnadas se estenderem “até as montanhas de Moabe”.
Uma visão aterrorizante e triste também por se saber que  toda aquela região parecia ainda padecer da cólera divina. Nada de vilas cheias de vida (como a Cascais citada pelo memorialista)... Nada de barracas de pescadores, regatas ou pescarias... Nada de jovens mulheres a se entreterem na coleta de “conchinhas na areia”... Nada de festivos encontros noturnos à luz de lampiões e ao som de rabecas.
Leia: A Relíquia – Coleção “Biblioteca Universal”. Editora Três.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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