Teodorico saiu o mais rápido que pôde da igreja...
Topsius caminhava tranquilamente pelo adro... Estava com o guarda-chuva devidamente armado, pois a atmosfera era úmida e o chuvisco ainda incomodava. Logo que o português se aproximou, vários vendilhões se agruparam ao seu redor... Assim não lhe restou alternativa senão expulsá-los com impropérios. Daí concluiu que retirava-se do sítio que guardava o Santo Sepulcro do mesmo modo como havia chegado: “em pecado e praguejando”.
(...)
De volta ao hotel, Topsius tratou cuidar de seus registros a respeito da
visita ao Sepulcro... Por isso recolheu-se ao quarto... Teodorico resolveu
permanecer no pátio com Pote para pitar do cachimbo e beber cerveja.
Ao
subir para o quarto, o Raposo encontrou o companheiro alemão já a ressonar... A
vela acesa revelava que o estudioso Topsius permanecera por algum tempo a se
entreter com “O Homem dos Três Calções”, livro (de fins do XIX) que o português
levara para “se recrear no país do Evangelho”...
(...)
O rapaz livrou-se dos
calçados enlameados desde a Via-Dolorosa enquanto pensava em Cibele, a bela e
doce Ruby... Por quais sagradas ruínas e sombras a jovem teria passado?
Estivera no Vale do Cédron ou visitara o túmulo branco de Raquel? Tantas eram
as paragens disputadas por romeiros... O rapaz sentia o coração entristecido
quando decidiu que o melhor que tinha a fazer era recolher-se à cama.
Fechou
os olhos sob as cobertas, e foi por acaso que ouviu o som da movimentação de
águas numa banheira... O tabique era mesmo bem fino e o menor ruído proveniente
do quarto vizinho certamente seria percebido por ele. Isso o agitou, e foi por
isso que no mesmo instante levantou-se para colar o rosto no papel que revestia
a cal da madeira.
Identificou o rumorejar
que só podia ser o de uma esponja sendo encharcada no volume acumulado na
banheira. Depois depreendeu passos molhados e descalços sobre o ladrilho... A
moça banhava-se... Só podia ser isso! Mergulhado em sua fantasia, Teodorico visualizou
em pensamento os braços nus, as mãos que espremiam a esponja, esfregavam a
espuma do sabão e que acariciava a pelo do belo corpo perfumado.
(...)
O português se
desesperou... Tateou o fino tabique em busca de algum furo ou fresta... Queria
espiá-la! Quebrou a ponta de uma tesoura que usou para providenciar o orifício.
Era demais! De repente pensou nas gotas d’água que escorriam por entre os “seios
duros e brancos que faziam estalar o vestido de sarja”... Então não resistiu
mais.
Teodorico cometeu a
loucura de retirar-se do quarto. Estava apenas de ceroulas e caminhou uns
poucos passos pelo silencioso e escurecido corredor. Alcançou a fechadura do
quarto vizinho e posicionou o grande olho que esperava contemplar a beldade nua.
Mas tudo o que pôde
avistar resumia-se à toalha sobre a esteira, um roupão de cor vermelha e parte
do véu branco que cobria o leito da cobiçada Cibele. O que ele podia esperar?
Talvez tivesse a sorte de a ver passando toda nua de um lado para outro...
(...)
A tensão o fazia suar copiosamente... Sua posição era das mais
desconfortáveis... O pior foi notar que atrás de si uma porta se abriu... De
repente a parede encheu-se de claridade e aos poucos ele entendeu que era o
barbaças, o pai de Ruby, que se aproximava empunhando o castiçal.
O pobre Raposo não teve a menor chance... Com toda paciência, o grande
Hércules colocou a vela no chão, se aproximou do tipo abusado e chutou-o com “sua
rude bota de duas solas”.
O golpe simplesmente desmantelou a cintura de
Teodorico... Mas isso não foi tudo. O gajo protestou chamando o agressor de
bruto, todavia o brutamontes ordenou que ele permanecesse em silêncio. Na
sequência, encurralou-o junto à parede e atacou-o com novos golpes da pesada
bota...
O Raposo apanhou
demais... “Quadris, nádegas, canelas” e todo o corpo lhe doíam. Apanhou sem
piedade... O pai da jovem Ruby permaneceu tranquilo e por fim abaixou-se para
recuperar o castiçal. Ia se recolher quando o português, apenas de ceroulas e arruinado
pelos golpes, buscou o que lhe restava de dignidade para dizer uns desaforos ao
agressor.
Teodorico perguntou-lhe se sabia por que se saíra tão bem naquele
embate... Depois acrescentou que a sorte do escocês devia-se a estarem “ao pé
do túmulo do Senhor” e também pelo fato de ele (o Raposo) não querer provocar
escândalos (por causa da tia).
Por
fim, garantiu que se estivessem em Lisboa, num sítio que ele conhecia bem,
certamente lhe “comeria os fígados”. Era bom mesmo o grandão nem saber do que
tinha se livrado.
(...)
Teodorico retornou ao
quarto manquitolando.
Passou
a sua primeira noite em Jerusalém cuidando das lesões com “fricções de arnica”.
Leia: A
Relíquia – Coleção “Biblioteca Universal”. Editora Três.
Um abraço,
Prof.Gilberto