Quando Topsius confirmou que a coroa de espinhos que ensanguentou Jesus Cristo não tinha sido moldada a partir dos galhos de um arbusto como aquele, Teodorico lamentou...
O rapaz disse mesmo que sua tia se sentiria muito bem se soubesse que receberia um ramo da árvore exata... Ele acrescentou ao alemão que a tia Patrocínio era muito rica. Topsius entendeu o que estava em jogo... Assim como há as razões de Estado, há as que são próprias das famílias.
É por isso que ele contemplou mais uma vez o arbusto e sobre ele estendeu suas mãos... Disse que nutria amizade pelo Raposo... Na sequência emendou que ele podia garantir à tia que um alemão muito respeitado em seu país nas questões arqueológicas afiançou-lhe que o galho “arranjado em coroa” que ela estava recebendo “foi o mesmo que ensanguentou a fronte do Rabi Jeschoua Natzarieh”.
Teodorico alegrou-se... É como se estivesse obtendo um aval do maior especialista nos assuntos sobre as relíquias cristãs.
Depois da sentença do “alto saber germânico”, Teodorico manipulou sua navalha espanhola e com precisão extraiu um dos galhos espinhosos do arbusto.
(...)
Topsius
voltou aos seus afazeres científicos... Na cidadela de Cipron dedicou-se aos
locais onde se acumulavam ervas úmidas e pedras dos tempos de Herodes.
Teodorico recolheu-se
ao acampamento... Não escondia o seu contentamento por ter obtido a
preciosidade que certamente aumentaria a consideração da tia Patrocínio por
ele.
Pote moía café quando
o viu entrar... No mesmo instante o saudou observando havia obtido um “soberbo
galho”. O guia notou que podia-se arranjá-lo em forma de coroa... Mas é
evidente! O resultado seria um exemplar objeto de devoção.
Foi Pote que, com sua
destreza, “entrelaçou o galho rude em forma de coroa santa”... Ficou
impressionantemente “parecida”... Teodorico soltou um “só lhe faltam as
pinguinhas de sangue”... E depois concluiu que a Titi iria babar ao recebê-la.
(...)
A coroa ficou
perfeita...
Teodorico ficou satisfeito...
Mas não pôde deixar de considerar que o seu transporte seria um
problema... Aqueles espinhos podiam ferir! Como prosseguir viagem à Jerusalém transportando
objeto tão perigoso? Pote conseguiu uma porção de algodão e a envolveu com todo
cuidado... A coroa de espinhos foi tratada como se fosse joia das mais
delicadas.
Depois o rapaz ajeitou a preciosidade num pacote
envolvido em folha de papel pardo... Fez ainda um acabamento com uma fita vermelha...
O embrulho tornou-se arredondado e seguro.
Teodorico enrolava um
cigarro enquanto admirava a destreza de Pote... mais uma vez não escondeu seu
contentamento quando observou ao guia que ele nem podia imaginar a grossa moeda
que aquele “galinho dentro do pacotinho” lhe renderia em seu retorno a
Portugal.
(...)
Logo que Topsius retornou de sua expedição científica, Teodorico quis
brindar...
Tomou
uma das garrafas de Champagne Moed et Chandon que Pote trazia na bagagem... O
alemão aceitou de bom grado e “bebeu à ciência”... O Raposo “bebeu à religião”.
Continuaram a beber até
mais tarde. À noite acenderam uma fogueira... Diante do acampamento “mulheres
árabes de Jericó” dançaram animadamente.
(...)
A
lua apresentava-se fina e na forma de uma foice “sobre Moabe e para os lados de
Maqueros”.
Recolheram-se à hora
avançada.
Ao contemplar a lua, Teodorico
lembrou-se do martírio de São João Batista.
O português estava
com a cabeça um tanto atordoada pela bebedeira, mas bem feliz ao observar uma
vez mais o embrulho da coroa à beira de sua cama.
O candeeiro foi
apagado... A tranquilidade se fez por completa “no infinito silêncio do Vale da
Escritura”.
Teodorico
adormeceu.
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2017/11/a-reliquia-de-eca-de-queiroz-da_20.html
Leia: A
Relíquia – Coleção “Biblioteca Universal”. Editora Três.
Um abraço,
Prof.Gilberto