domingo, 10 de dezembro de 2017

“A Relíquia”, de Eça de Queiroz – da “Biblioteca Universal” – um pouco mais sobre a casa de Gamaliel e sua hospitalidade; Teodorico admira a vista montanhosa do entorno; o anfitrião inicia uma falação a respeito da prisão do Rabi Jeschoua; comentários a respeito dos escrúpulos políticos de Pôncio e sobre Cláudia, sua esposa

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2017/12/a-reliquia-de-eca-de-queiroz-da_67.html antes de ler esta postagem:

Teodorico registrou um pouco mais sobre a casa de Gamaliel...
Uma sólida peça em bronze se destacava na sala. Era um incensador que queimava uma resina especial e exalava um perfume diferenciado na atmosfera.
O teto era todo em cedro com vários detalhes arrematados em tom avermelhado. O azul das paredes dava a impressão de continuar o céu do oriente captado pela abertura das janelas... Também chamava a atenção um ramo de madressilva que descia harmoniosamente do trecho do muro que se podia avistar.
(...)
O anfitrião notou as botas dos recém-chegados... Disse que a jornada que tinham realizado desde o Jordão era longa e certamente estavam com muita fome. Diante de tamanha gentileza, Teodorico sentiu-se acanhado e com polidez deu a entender que estavam satisfeitos...
No mesmo instante, Gamaliel disse que “a hora do meio-dia é a mais grata ao Senhor”... Depois, como se estivesse a recitar, emendou que José (do Egito) dissera ao seu irmão Benjamim (Bíblia; filhos de Jacó e Raquel) que ao meio-dia comeriam juntos. Por fim disse que a alegria do hóspede agrada ao “muito alto e forte”, sendo assim era preciso que se alimentassem para que ele fosse abençoado.
Gamaliel bateu palmas e logo um de seus servos se aproximou com um jarro que continha água cheirando a rosas. Teodorico purificou as mãos. Logo depois outros criados serviram-lhe bolos de mel e vinho de Emaús.
Gamaliel fez companhia ao estrangeiro... Serviu-se de um gomo de romã e bebeu de uma tigela onde se notavam flores de laranjeira e gelo. Como que a agradecer, Teodorico sentenciou que fora bem servido e, assim sendo, chegaria “lastreado” ao meio-dia. Acrescentou que seguramente a alma do anfitrião se regozijaria.
(...)
Depois Teodorico sentiu-se à vontade para acender um cigarro e acomodar-se à janela.
De onde estava, pôde notar que a casa fora construída numa elevação, a colina de Orfel... Concluiu que o ambiente estava atrás do templo... A atmosfera local era das melhores. A doçura do ar enchia os corações de paz. Observando o terreno em delicado aclive, via-se a muralha construída a mando de Herodes, o Grande. Depois eram os jardins e pomares no Vale da Fonte.
Dali avistava-se a colina onde localizava-se a aldeia de Siloé... Entre o Monte do Escândalo e a Colina dos Túmulos via-se os reflexos do Mar Morto... Depois eram a montanhas de Moabe. Teodorico calculou que aquelas eram as distantes paragens da Idumeia e seus rochedos... Sobre um deles estava Maqueros, a famosa cidadela.
(...)
Mesmo de longe, Teodorico conseguiu notar que no terraço de uma casa das imediações alguém se protegia sob um guarda-sol enquanto também contemplava a paisagem montanhosa.
Ao lado estava uma jovem que se distraía com várias pombas... Ela trajava uma túnica que se abria na altura do peito. O Raposo não deixou de admirá-la e imaginar a doçura de sua pele morena... Por um instante pensou que devia transmitir-lhe um beijo no silêncio da atmosfera.
O português concentrava-se nesses descompromissados pensamentos quando ouviu que Gamaliel repercutia o assunto que havia levado Topsius à sua casa...
Em síntese, ele confirmou que o Rabi Jeschoua havia sido preso na noite anterior em Betânia, e acrescentou que certo Pôncio havia sido escrupuloso ao não dar sequência a qualquer julgamento.
Gamaliel tinha a explicação e seguiu dizendo que este Pôncio achou mais prudente não tomar a frente de Herodes Antipas, já que o preso era da Galileia e súdito do tetrarca.
Como Herodes visitava Jerusalém à época da Páscoa, o prisioneiro foi encaminhado à sua residência em Bezeta. Topsius ouviu essas primeiras considerações do anfitrião e disse que estranhava o escrúpulo de Pôncio... Depois quis saber desde quando ele passara a respeitar a “judicatura de Herodes”.
O que mais intrigava o alemão era o fato de saber que inúmeros galileus haviam sido mortos durante certa “revolta do aqueduto” por ordem deste Pôncio... O sangue daqueles pobres homens se misturaram ao de animais sacrificados no templo.
Gamaliel sugeriu que, de fato, aquele romano era cruel, mas colocava a legalidade acima disso. Nesse momento, Osânias se intrometeu dizendo que talvez a esposa de Pôncio fosse protetora do Rabi feito prisioneiro.
A fisionomia de Topsius não escondia a interrogação... Gamaliel conhecia bem a conversa que se espalhava desde o templo até os humildes pastores que chegavam de Idumeia. Por isso fez uma aparência de desaprovação ao mesmo tempo em que estranhou que o sábio amigo alemão desconhecesse o fato de Cláudia (esposa de Pôncio) sentir-se atraída pelo Rabi... Sempre que Ele fazia pregações na área da Porta de Susa, no Pórtico de Salomão, ela se posicionava num dos terraços da Torre Antônia só para observá-Lo.
Osânias acrescentou que certo Menahem, militar que cuidava da escadaria dos Gentis nos idos do mês de Tebete (Tevet), contou que a vira acenar o seu véu negro ao Rabi algumas vezes. Conhecida por suas aventuras com cocheiros e variados artistas, talvez se interessasse de modo especial pelo profeta que vinha da Galileia.
Leia: A Relíquia – Coleção “Biblioteca Universal”. Editora Três.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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