sexta-feira, 26 de janeiro de 2018

“A Relíquia”, de Eça de Queiroz – da “Biblioteca Universal” – uma polêmica narrativa sobre os últimos momentos do Rabi desde o sepultamento

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2018/01/a-reliquia-de-eca-de-queiroz-da_86.html antes de ler esta postagem:

Como se vê, o longo e conturbado sonho de Teodorico reserva-nos uma versão conturbadora a respeito dos episódios que se seguiram à crucificação de Cristo...
A polêmica que a envolve só pode ser inaceitável pelos cristãos, e torna “A Relíquia” um dos romances mais controversos.
(...)
Gade anunciou sua chegada soltando gritos como os chacais...
Não demorou e sob a varanda surgiu o clarão de uma lâmpada carregada por um tipo de barbas escuras... Deu para notar pelo manto pardo que vestia que se tratava de um galileu.
Tudo tornou-se escuridão novamente assim que ele soprou o fogo da lâmpada... Silenciosamente, caminhou na direção dos recém-chegados... E foi Gade quem primeiro pronunciou “ a paz seja contigo, irmão!”... Depois emendou que “estavam prontos”.
O homem chegou perto do poço, deixou a lâmpada sobre as tábuas e disse que tudo estava consumado. Gade entendeu o que aquilo significava, estremeceu e gritou perguntando pelo Rabi... O outro conseguiu abafá-lo e com preocupação observou as sombras dos arredores tal como “um animal do deserto”.
O tipo começou a dizer que o ocorrido tinha a ver com “coisas mais altas” do que eles podiam entender... Explicou que haviam feito tudo certo, bem como planejaram... E, como que a sustentar o que dissera anteriormente, afirmou que a esposa de certo Rosmofim era experiente no preparo do “vinho narcotizado”...
Contou também que conhecia o centurião, e que em certa ocasião o salvara “na campanha de Públio”, na Germânia... Ele deu a entender que graças a isso puderam negociar o resgate do corpo do Rabi...
(...)
O homem disse que quando rolaram a pedra sobre o túmulo cedido por José de Ramata, o corpo do Rabi ainda estava quente...
Depois dessa revelação, silenciou... Muito desconfiado, mais uma vez observou todo o entorno com toda atenção... Tocou o ombro de Gade e deu a entender que deviam se recolher a um canto ainda mais escuro e protegido... E foi assim que chegaram às pedras do muro, abaixo da varanda.
Topsius e Teodorico os acompanharam sem pronunciar palavra... Ansiosos, ouviram o tipo dizer que voltaram ao túmulo ao anoitecer... Emendou que olharam pela fenda e notaram a “face serena e cheia de majestade” do Rabi. Levantaram a pedra e o retiraram...
Emocionado, o homem disse que o Rabi “parecia adormecido, tão belo, como divino, nos panos que o envolviam”. Contou que o levaram pelo Garebe e que caminharam pelo arvoredo o mais rápido que podiam.
Graças à lanterna de José de Ramata puderam chegar à fonte, onde se depararam com um grupamento de soldados. Ao serem indagados pela ronda, disseram que conduziam “um homem de Jopé” que caíra enfermo... Explicaram que o levavam “à sua sinagoga”... Os soldados não fizeram caso e liberaram o caminho.
(...)
Com tristeza, o tipo sisudo prosseguiu dizendo que chegaram à casa de José, onde já se encontrava Simeão, “o Essênio”, que vivera em Alexandria e era um conhecedor das propriedades de plantas e raízes...
A condição física do Rabi piorara muito. Simeão fez de tudo! Utilizou inclusive a “raiz do baraz” (que muitos acreditavam ser eficaz no tratamento da lepra). Deitaram-No na esteira e deram-Lhe licores conhecidos por reanimarem a circulação sanguínea... Mas o Rabi não reagiu e nada respondeu quando O chamaram...
José e seus companheiros decidiram orar enquanto esperavam... Aos poucos perceberam que o corpo do Galileu ainda mais se arrefecia. Então Ele abriu os olhos e pronunciou umas palavras pouco compreensíveis... Do que o homem pôde entender, o Rabi “parecia que invocava seu pai, e que se queixava de um abandono”... Depois estremeceu. Via-se que a um canto da boca escorria um pouco de sangue... Foi o fim... O Rabi morreu ”com a cabeça sobre o peito de Nicodemo”.
(...)
Aterrorizado e a soluçar copiosamente, Gade caiu de joelhos.
O outro, que havia narrado os últimos suspiros de Jesus, virou-se como se mais nada tivesse a dizer... Caminhou em direção ao poço para pegar a lâmpada, mas Topsius o segurou a tempo de dizer que precisava ouvir mais a respeito do que ocorreu na sequência. Enfatizou que queria “toda a verdade”.
Leia: A Relíquia – Coleção “Biblioteca Universal”. Editora Três.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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