O Comissário não entendeu qual era a “possibilidade” a que o Comandante se referia. Sem medo disse que ele mesmo não sabia dizer... Quem sabia? Só mesmo o guerrilheiro Teoria, mas certamente ele não tinha a menor intenção de falar. E, neste ponto, como não concordar?
Para o camarada havia “duas hipóteses: ir ou não ir”... Ele escolhera continuar com o grupo... O Comandante ressaltou que talvez a escolha tivesse sido feita sem a necessária reflexão. Mas o que podiam fazer? Destacou que Teoria era homem honrado e certamente não voltaria atrás em sua decisão. Se fora teimoso ou não, também isso só ele podia responder.
Para Sem Medo estava resolvido... Além do mais sabia que os teimosos normalmente se mantêm em sua teimosia até o fim. E o fato de haver risco em suas decisões parece reforçá-los.
(...)
Neste
ponto da discussão, o Comissário disse que as palavras do Comandante combinavam
com “liberalismo”.
A reação do Sem Medo
foi dizer que o outro não demorava a colocar “palavrões” na conversa. Sem levar
em consideração que a observação pudesse ou não ter sido ofensiva, o Comandante
disse que podia ser que o que havia dito tivesse algo de liberalismo, todavia
ele mesmo não tinha o papel de “comissário político”. Acrescentou
que, no grupo, era o Comissário Político que devia politizar os guerrilheiros e
“defender a posição política justa”, funcionando como uma espécie de “anjo-da-guarda”.
O Comissário apenas
sorriu... O Comandante contava dez anos a mais do que ele e naquele momento parecia-se
com o adolescente que procura se safar de discussões mais sérias.
Não
foi por acaso que ele voltou-se ao Chefe de Operações para perguntar o que ele
pensava a respeito da situação do Teoria. Ainda distraído, o homem disse que
pensava que o Comandante estava com a razão.
O Comissário entendeu
que havia perdido na “votação”. Disse que a partir daquele instante o
Comandante era o responsável pelas consequências provocadas pelo prosseguimento
do guerrilheiro lesionado na missão.
O Comandante
respondeu que a responsabilidade a mais em nada alterava o seu compromisso com
o movimento de libertação. Teoria intrometeu-se a dizer que nada de mal ocorreria.
Mas não se pode garantir que ele mesmo tivesse refletido sobre como seu joelho
se comportaria na retomada da caminhada.
Certamente a decisão do Comando lhe proporcionara um “contentamento
dúbio”.
(...)
A reunião terminou...
Cada um dos homens se
retirou para o breve cochilo.
Quando despertaram, uma leve chuva caía sobre a floresta. Lá em baixo os
guerrilheiros estavam protegidos pelas vastas copas das árvores. Só depois que
o chuvisco parou é que a água acumulada nas folhas começou a gotejar. É como o
texto afirma: “Tal é o Mayombe, que pode retardar a vontade da natureza”.
Certamente o professor havia sido o que menos dormira... Sua perna estava
muito dolorida. Afinal, por que fizera tanta questão de prosseguir na ação? Ele
sabia que em nada acrescentaria. Sequer era guerrilheiro excepcional!
Sua condição de “professor da Base” o liberava
de certas tarefas, como a de “fazer guarda”... Ele mesmo insistira com o Comando
o ser obrigado a cumprir como os demais guerrilheiros.
O rapaz era
mestiço... Nenhum dos homens parecia se importar com isso. Como vimos, ele
guardava o segredo de seu drama.
O
Comissário não relacionou nenhum “desvio psicológico” à insistência de Teoria
em manter-se na missão. O Chefe de Operações não demonstrou o menor interesse
pelo caso. O Comandante, que era entre todos o “veterano” nos combates, “adivinhou”
que havia mais do que abnegação nos propósitos do professor guerrilheiro.
Continua em https://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2018/05/mayombe-de-pepetela-um-pouco-sobre-o_21.html
Leia: Mayombe. Editora Leya.
Um abraço,
Prof.Gilberto