terça-feira, 29 de janeiro de 2013

“Decamerão”, de Giovanni Boccaccio – o proêmio; alterações dos modos de velar os mortos; fim dos cortejos rituais; abandono e empilhamento de cadáveres

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2013/01/decamerao-de-giovanni-boccaccio-o_17.html antes de ler esta postagem:

O fato de inúmeras pessoas terem morrido em decorrência da peste devido à falta de quem as assistisse é mesmo lastimável. No proêmio do Decamerão temos uma noção do quanto os costumes relacionados aos cerimoniais de sepultamento foram alterados conforme a peste se tornou mais presente e agressiva em Florença por aqueles tempos... Estima-se que entre março e julho de 1348 mais de cem mil pessoas tenham morrido em seu perímetro murado.
Antes da peste, era comum a reunião de muitas pessoas na casa do defunto para que fossem prestadas as últimas condolências... Na sala, mulheres austeramente vestidas permaneciam reunidas em pranto... Havia grupos de mulheres que frequentavam regularmente os velórios... À frente da casa do morto se juntavam outros tantos, e a importância do falecido podia ser calculada a partir da quantidade dos que se aglomeravam e de quantos padres se acomodavam entre eles... O morto era conduzido dignamente por parentes e conhecidos mais chegados à igreja que havia definido para o seu sepultamento.
Mas a mortandade tornou-se rotineira... Os cerimoniais de despedida definitiva dos entes queridos deixaram de ser concorridos e perderam muito de sua sobriedade. Este fenômeno não ocorreu apenas entre as famílias mais abastadas, como se verá a seguir.
Aos poucos aconteceu de as pessoas morrerem sem que ninguém desse conta do ocorrido... A morte deixou de ser “episódio eventual”... Os velórios esvaziaram-se até mesmo pela ausência de parentes... Em vez de reuniões de luto, preferiam-se encontros festivos em que se trocavam relatos jocosos e gracejos descomprometidos sobre a situação...
As mulheres, que outrora desempenharam o coro choroso de tantos momentos piedosos, se acomodaram de bom grado aos novos hábitos... Entenderam mesmo que, dessa forma, contribuíam para a salvação da alma do morto...
Por outro lado, cresceu a quantidade de pessoas simples que combinavam um preço com os familiares do defunto e aceitavam carregar o caixão para sepultá-lo no templo mais próximo... Isso era realizado apressadamente sem que os desejos do falecido fossem considerados... A calamidade contribuía para que muitos cortejos prosseguissem até mesmo sem a presença de qualquer religioso...
A decadência dos costumes entre as famílias de posses abalou as consciências... Mas nada se compara à situação vivenciada pelos desfavorecidos e pela “gente da classe média”... Seus doentes e mortos acabavam abandonados em casa... Os viventes das proximidades sofriam a contaminação e disso resultava que, como não recebiam medicação ou ajuda de qualquer espécie, morriam aos milhares a cada dia.
Populações inteiras tornaram-se adoecidas e malcheirosas devido à peste. Acontecia de muitos mortos permanecerem dias a fio abandonados nas residências... O máximo que faziam por esses tipos era retirá-los e largá-los em frente à própria casa para que fossem vistos por alguém (dentre tantos que passaram a viver perambulando) disposto a providenciar algum caixão.
Também os caixões tornaram-se raros. Houve casos em que mais de um cadáver foi acomodado no mesmo caixão; e aconteceu de muitos outros serem acomodados em simples tábuas... Cortejos ocorreram sem que o padre soubesse ao certo quantos defuntos estavam sendo conduzidos...
Os “territórios sagrados das igrejas” foram abarrotados... Também esse antigo costume foi abalado, pois as covas que se abriam passaram a abrigar muitos féretros empilhados... Aconteceu, então, que os mortos deixaram de ser enterrados nas igrejas... Elas se tornaram sobrecarregadas, e os cemitérios proliferaram.
Os habitantes comuns das cidades, que levavam uma miserável vida de trabalhadores, também morriam desgraçadamente... Sem auxílio médico, morriam como animais... Os que lidavam nos campos deixaram de se importar com a produção e as criações foram abandonadas... Os animais percorriam os campos descontroladamente... Os camponeses também passaram a viver a existência daqueles que nada planejam ou esperam além da morte...
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2013/02/decamerao-de-giovanni-boccaccio-o.html
Leia: Decamerão. Editora Abril.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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