Talvez
seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2013/01/decamerao-de-giovanni-boccaccio-o_17.html
antes de ler esta postagem:
O fato de inúmeras pessoas terem morrido em
decorrência da peste devido à falta de quem as assistisse é mesmo lastimável.
No proêmio do Decamerão temos uma
noção do quanto os costumes relacionados aos cerimoniais de sepultamento foram
alterados conforme a peste se tornou mais presente e agressiva em Florença por
aqueles tempos... Estima-se que entre março e julho de 1348 mais de cem mil
pessoas tenham morrido em seu perímetro murado.
Antes da peste, era comum a
reunião de muitas pessoas na casa do defunto para que fossem prestadas as
últimas condolências... Na sala, mulheres austeramente vestidas permaneciam reunidas
em pranto... Havia grupos de mulheres que frequentavam regularmente os velórios...
À frente da casa do morto se juntavam outros tantos, e a importância do
falecido podia ser calculada a partir da quantidade dos que se aglomeravam e de
quantos padres se acomodavam entre eles... O morto era conduzido dignamente por
parentes e conhecidos mais chegados à igreja que havia definido para o seu
sepultamento.
Mas a mortandade tornou-se
rotineira... Os cerimoniais de despedida definitiva dos entes queridos deixaram
de ser concorridos e perderam muito de sua sobriedade. Este fenômeno não
ocorreu apenas entre as famílias mais abastadas, como se verá a seguir.
Aos poucos aconteceu de as pessoas morrerem sem que ninguém desse conta
do ocorrido... A morte deixou de ser “episódio eventual”... Os velórios
esvaziaram-se até mesmo pela ausência de parentes... Em vez de reuniões de luto,
preferiam-se encontros festivos em que se trocavam relatos jocosos e gracejos
descomprometidos sobre a situação...
As mulheres, que outrora desempenharam
o coro choroso de tantos momentos piedosos, se acomodaram de bom grado aos
novos hábitos... Entenderam mesmo que, dessa forma, contribuíam para a salvação
da alma do morto...
Por outro lado, cresceu a
quantidade de pessoas simples que combinavam um preço com os familiares do
defunto e aceitavam carregar o caixão para sepultá-lo no templo mais próximo...
Isso era realizado apressadamente sem que os desejos do falecido fossem considerados...
A calamidade contribuía para que muitos cortejos prosseguissem até mesmo sem a presença
de qualquer religioso...
A decadência dos
costumes entre as famílias de posses abalou as consciências... Mas nada se
compara à situação vivenciada pelos desfavorecidos e pela “gente da classe
média”... Seus doentes e mortos acabavam abandonados em casa... Os viventes das
proximidades sofriam a contaminação e disso resultava que, como não recebiam
medicação ou ajuda de qualquer espécie, morriam aos milhares a cada dia.
Populações inteiras
tornaram-se adoecidas e malcheirosas devido à peste. Acontecia de muitos mortos
permanecerem dias a fio abandonados nas residências... O máximo que faziam por
esses tipos era retirá-los e largá-los em frente à própria casa para que fossem
vistos por alguém (dentre tantos que passaram a viver perambulando) disposto a
providenciar algum caixão.
Também os caixões
tornaram-se raros. Houve casos em que mais de um cadáver foi acomodado no mesmo
caixão; e aconteceu de muitos outros serem acomodados em simples tábuas...
Cortejos ocorreram sem que o padre soubesse ao certo quantos defuntos estavam
sendo conduzidos...
Os “territórios
sagrados das igrejas” foram abarrotados... Também esse antigo costume foi
abalado, pois as covas que se abriam passaram a abrigar muitos féretros
empilhados... Aconteceu, então, que os mortos deixaram de ser enterrados nas igrejas...
Elas se tornaram sobrecarregadas, e os cemitérios proliferaram.
Os habitantes comuns das
cidades, que levavam uma miserável vida de trabalhadores, também morriam
desgraçadamente... Sem auxílio médico, morriam como animais... Os que lidavam nos
campos deixaram de se importar com a produção e as criações foram abandonadas... Os animais percorriam os
campos descontroladamente... Os camponeses também passaram a viver a existência
daqueles que nada planejam ou esperam além da morte...
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2013/02/decamerao-de-giovanni-boccaccio-o.html
Leia: Decamerão. Editora Abril.
Um abraço,
Prof.Gilberto