Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2013/06/o-queijo-e-os-vermes-de-carlo-ginzburg_23.html
antes de ler esta postagem:
O dia 12 de maio de
1584 foi o último para interrogatórios. Após a sessão, Menocchio foi novamente
encarcerado... Cinco dias depois ele recusou que um advogado assumisse a sua
defesa... Mas resolveu entregar uma extensa carta em que pedia absolvição.
O documento inicia fazendo referência à Trindade Santa... O moleiro
sabia a quem se dirigia e, portanto, era “Em nome do Pai, do Filho e do
Espírito Santo” que ele apresentava o seu histórico de cristão, e com sua
defesa esperava sensibilizar os clérigos. Revelou que, como cristão batizado,
sempre vivera exemplarmente mantendo a obediência aos seus “pais espirituais” e
à ética cristã... Garantiu que seus dias sempre se iniciaram e terminaram com o
sinal da cruz, com o pai-nosso e a ave-maria... Explicou que, apesar de sua “conduta
cristã”, andou dizendo (e até acreditando no que dizia) “coisas contra os
mandamentos de Deus e da Santa Igreja”...
Menocchio prosseguiu sua
carta afirmando que sua má conduta devia-se à obra do “falso espírito” que
cegara o seu “intelecto, memória e vontade”. Sendo assim, aquela força do mal
tomou conta dos seus pensamentos e atos... Então ele confessava “ter pensado,
acreditado e dito o falso, e não a verdade”... Justificava que havia dado sua
opinião, mas garantia que não afirmara que ela fosse a verdade.
O moleiro citou a história bíblica de José, o filho de Jacó, para
mostrar que, de certa forma, com ele sucedera o mesmo... Ele seguiu registrando
que José tinha dito ao pai e aos irmãos sobre alguns sonhos que significavam
que seus familiares deveriam adorá-lo... Os irmãos brigaram com ele, não
aceitaram sua atitude prepotente e quiseram matá-lo... Como essa decisão não
era da aprovação de Deus, os moços decidiram vendê-lo a mercadores egípcios...
Essa história bíblica é bem conhecida... No Egito, José
acabou revelando o significado de um sonho do faraó (sobre sete vacas gordas e
sete vacas magras), relacionando-o a um tempo de fartura seguido por
carestia... O monarca aceitou as palavras do hebreu e o fez príncipe. De fato,
José saiu-se bom administrador, já que soube prover o abastecimento de grãos...
Veio o tempo de carência de alimentos e ela abateu também o povo de Jacó. Este
decidiu enviar dez de seus filhos ao Egito em busca de remediar a situação.
Então o reencontro ocorreu e os irmãos de José mostraram-se imensamente arrependidos.
Ele, por sua vez, perdoou-os de todo o coração, tratou seus familiares
dignamente e garantiu que não via culpa neles, pois Deus havia feito Sua
vontade...
Menocchio queria fazer entender que sua situação era a mesma do José
bíblico... Quer dizer, ele havia falado aos “irmãos e pais espirituais” (povo de
Montereale e o padres), mas esses o acusaram e o “venderam” ao “grande pai
inquisidor”... Foi assim que havia chegado àquela condição de réu do Santo
Ofício, e aprisionado... Ele concluiu afirmando que toda aquela situação vivida
por ele não era culpa dos que o acusaram e o prenderam, mas era assim que se
cumpria a vontade de Deus... Garantiu que perdoava a todos e dessa maneira
aguardava o perdão de Deus.
A carta de Menocchio não é breve... Ela prossegue articulando argumentos
sobre as razões de Deus ao conduzi-lo àquela condição. Ele registrou quatro
razões: para que confessasse seus erros; para que fizesse penitência pelos seus
pecados; para se livrar do falso espírito; para servir de exemplo aos filhos e
aos irmãos espirituais...Ainda na esperança de obter o perdão das
autoridades, Menocchio evidenciou em sua carta que pensou, acreditou, falou e foi
contra os mandamentos de Deus e da Igreja... Queria que o avaliassem um tipo infeliz
por tudo o que se passara... Pedia perdão e misericórdia à Santíssima Trindade,
à Virgem Maria, aos santos e santas... Pedia em nome da paixão de Cristo...
Sendo Ele misericordioso, Menocchio esperava a caridade. Citou os vários
episódios em que o perdão de Cristo se manifestou (com Maria Madalena, São
Pedro, o “bom ladrão”, os judeus que o crucificaram, com São Tomé)...
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2013/06/o-queijo-e-os-vermes-de-carlo-ginzburg_25.html
Leia: O Queijo e os Vermes. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto