Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2013/06/o-queijo-e-os-vermes-de-carlo-ginzburg_24.html
antes de ler esta postagem:
Na sequência de sua
carta, Menocchio prometia não mais incorrer nos mesmos erros... Passava a ideia
de que se tornaria um novo homem, obediente apenas aos “pais espirituais” em
tudo o que o orientassem... Garantia que os 104 dias que passara na escura
prisão tinham sido importantes para a expiação, mas vergonhosos e
desesperadores para a sua família. Quis mostrar que o seu duro aprendizado lhe possibilitou
apontar as causas de seus erros: *a crença em dois mandamentos (amar a Deus e
ao próximo), considerando que a observação desses dois mandamentos era “suficiente”
para uma conduta cristã exemplar; *ao ler o Mandavilla,
confundiu-se ao se deparar com tantas de espécies de raças e leis; *sua
memória e intelecto conduziram-no a conhecer de coisas desnecessárias; *“o
falso espírito” era o responsável pelos seus pensamentos falsos em vez da
verdade; *havia discordâncias entre ele e o pároco; e finalmente, *revelou que
o fato de se dedicar muito ao trabalho deixou-o tão fraco a ponto de não
cumprir os mandamentos de Deus e da Igreja.
Ao final do documento pedia que as autoridades não levassem em conta a
sua falsidade e ignorância.
Ginzburg analisa o traçado
desenvolvido por Menocchio nas páginas de sua carta e revela que certamente o
moleiro não tinha familiaridade com a escrita. Podia ser leitor bem acima da
média, mas o modo como organizava as letras “coladas umas às outras” denunciava
suas deficiências. Sua caligrafia, de acordo com um tratado da época, o
incluiria entre “os transmontanos, mulheres e velhos”... Já o traçado “fluente
e nervoso” dom Curzio Cellina (escrivão em Montereale, um dos acusadores)
causava impressão bem diferente. Há que se destacar o seu exercício de memória,
pois mesmo tendo permanecido 104 dias no cárcere, e sem possibilidade de
leitura, trouxe à tona frases inteiras contidas no Fioretto.
O autor elenca as temáticas contidas no manuscrito: *o
moleiro ressaltou que vivera como bom cristão, apesar de reconhecer ter violado
os mandamentos de Deus e da Igreja; *tratou do “falso espírito”, que o levou a
falar de opiniões falsas; *comparou-se ao José Bíblico; *tratou das causas que
o levaram à prisão segundo a vontade de Deus; *comparou os juízes ao Cristo
Misericordioso; *implorou perdão; *esclareceu as causas de seus erros...
Ginzburg ressalta o recurso às anáforas (ainda que inconscientemente)
como tentativa de reforçar a sua condição de pecador arrependido, merecedor de
absolvição. Ele se considerava um “José inocente”... O pároco e os seus demais
acusadores seriam os “seus irmãos”... Considerando-se a história bíblica, é ele
(o Menocchio-José) quem perdoa os “irmãos malvados”... Isso desmentiria “antecipadamente
as súplicas de misericórdia com que terminou a carta”...
O autor segue apresentando elementos importantes contidos na carta que
revelam o modo como Menocchio, embora assumindo os próprios erros, manifestava
que seus procedimentos eram devidos à Providência... Ele tratou de “falso
espírito” (durante o processo ele afirmou que este vivia na “parte escura do
coração dos homens”), mas, isso à parte, não cedeu muito mais à interpretação
dos inquisidores... Fez referências a textos (Mateus 22:36-40 e Viagens de Mandeville)... Há ainda a sua
desavença com o pároco e sua fraqueza provocada pelo excesso de trabalho (fatores
externos)...
O fato de Menocchio registrar ao final o apelo
para que não levassem em conta a sua “falsidade e ignorância” não era indicação
de que estava disposto a abandonar as discussões e os argumentos.
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2013/06/o-queijo-e-os-vermes-de-carlo-ginzburg_26.html
Leia: O Queijo e os Vermes. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto