sexta-feira, 29 de maio de 2015

“Os Mandarins”, de Simone de Beauvoir – Henri entre inimigos de diferentes facções; Marie-Ange assume ares de importância junto aos comunistas e menospreza Henri em público; patética apresentação de Lenoir; tumulto, risos e miscelânea de provocações

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2015/05/os-mandarins-de-simone-de-beauvoir.html antes de ler esta postagem:

Henri e Lambert seguiram para o “Festival de Lenoir”...
O salão estava repleto... Além dos comunistas mais antigos, havia muitos jovens que ingressaram no partido depois das últimas polêmicas (em torno das denúncias sobre os campos soviéticos de trabalho forçado)...
Vários dos presentes vinham das fileiras dos que criticavam o PC...
Conforme Henri passou por aquela gente, muitos lhe viraram os rostos manifestando desprezo e rancor... Isso era uma indicação de que Samazelle tinha razão em seus argumentos? Mesmo tendo se posicionado em sintonia com as críticas do partido (em relação ao gaullismo; contra a Guerra da Indochina; contra as prisões dos deputados de Madagascar que ousaram colocar-se contra o Plano Marshall...), Henri era visto como “falsário e vendido”.
(...)
Voltando-se para Lambert, disse que estava se sentindo um Cyrano de Bergerac, cercado de inimigos... Para Lambert, aquilo se devia muito às suas posturas... Henri disse apenas que “custa caro fazer amigos”.
Lambert apontou para a jovem Marie-Ange Bizet e comentou que ela adquirira o “estilo da casa”... Henri concordou que ela estava uma “perfeita militante”.
Ele lembrou que alguns meses antes havia barrado uma reportagem “sobre problemas alemães” feita por ela... Na ocasião, a moça choramingou e lamentou o fato de jovens jornalistas terem de se vender ao Figaro ou aoL’Humanité... Ela garantiu que não poderia apresentar o seu trabalho a L’Enclume... Mas não é que uma semana depois já escrevia regularmente para a publicação do PC?
A moça passou pelo corredor central e foi cumprimentada por todos... De fato, assumia “ares de gente importante”... Ao se aproximar de Henri, este a segurou pelo braço e desejou-lhe boa-noite... Ela respondeu, mas quis se esquivar...
Henri provocou ao perguntar se era por causa do partido que ela se apressava... Ela respondeu que fazia um trabalho útil... Ele prosseguiu em tom de provocação ao garantir que ela possuía “todas as virtudes comunistas”... Então ela respondeu que, pelo menos, havia perdido “alguns defeitos burgueses” e disse que não tinham nada a dizer um ao outro.
Enquanto Marie-Ange foi se afastando, o auditório encheu-se de aplausos... É que coincidentemente Lenoir chegava ao centro do estrado onde faria sua apresentação.
(...)
Lenoir posicionou-se à mesa com dignidade, mas era visível que lhe faltava a segurança... Não eram poucas as folhas que trazia.
Como a maioria estava ali para incentivá-lo, os aplausos se repetiram. Mas todos sabiam que o que ele transmitia não trazia nada de novo: “missão social do poeta”; “poesia do mundo real”... Lambert virou-se para Henri e lamentou o ponto em que aqueles intelectuais haviam chegado.
Henri nada disse... Observou com atenção as expressões... Refletiu sobre o fato de que vários daqueles tipos haviam sido leitores de L’Espoir... Estavam convertidos àquela agremiação e se submetiam ao servilismo. Afinal, somente ele podia ser taxado de “traidor”?
A narrativa de Lenoir seguiu em pomposos versos alexandrinos... Seu enredo era piegas e contava sobre o lamento de um jovem sobre o qual recaía o peso que o “vazio da alma” proporciona... Sua saída existencial não era outra senão a de livrar-se dos vínculos burgueses e abandonar a cidade onde havia nascido... Pais, amigos e as moças com as quais havia se envolvido emocionalmente procuravam dissuadi-lo.
(...)
Julien e seu grupo cumpriram a tarefa para a qual haviam se comprometido e começaram a gritar contra a encenação... Queriam saber onde estava a poesia que tinham prometido... Aquilo era poesia? Chamaram Lenoir de “mistificador” e quiseram saber quando seria apresentada a “obra-prima”... E o realismo?
O tumulto foi geral... Em vez de declamação, barulho dos sapatos no assoalho e poltronas sendo arrastadas...
A gritaria tornou-se diversificada...
Uns se esforçavam para expulsar os provocadores... Outros insistiam que a polícia devia ser chamada... Os agitadores berravam que Lenoir devia falar dos “campos de concentração”... Alguém ousou gritar “viva a paz!”... Também a Resistência foi lembrada... Os comunistas gritaram “viva Thorez!”... Gritaram “viva De Gaulle!”... “Viva a liberdade”.
Depois de algum tempo, por incrível que pareça, o silêncio tomou conta novamente do ambiente... Lenoir retomou a leitura... O seu personagem “vagava pelo mundo”... O som de uma gaita fez o fundo musical...
Isso parece ter sido a “gota d’água” esperada por Julien, que começou a soprar uma pequena corneta a cada alexandrino.
O pobre Lenoir tornou-se ainda mais acanhado... Seu desconforto o tornava patético... As iniciativas de Julien provocaram risos por toda parte... Também Henri pôs-se a rir... Um tipo chamou-o de “patife”.
Os militantes comunistas aplaudiram o mais que podiam... Henri não conseguiu conter-se e passou a gargalhar... Ouviram-se assobios... E mais gritos e provocações de parte a parte:
“Para a Sibéria!”
“Para Moscou!”
“Viva Stálin!”
“Delator!”
“Vendido!”
“Viva a França!”
Leia: Os Mandarins. Editora Nova Fronteira.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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