Na sequência de “A Guerra do Futebol” vemos Kapuscinski lamentar a condição de sua fragilizada saúde em terras tropicais...
Por dois meses ele padeceu acamado, sofrendo de moléstia típica das terras africanas.
Podemos imaginar o europeu apavorado e sem entender o que se passava com o seu organismo... O que podia fazer se seu sangue estivesse envenenado? E se alguma toxina (sabe-se lá de onde) o tivesse contaminado?
Sua única certeza era a de que tinha o corpo “inchado e cheio de furúnculos, pústulas e carbúnculos” e, portanto, impossibilitado para o trabalho.
(...)
É lógico que sua passagem pelos diversos países africanos não era a
passeio... Evidentemente o autor não havia se instalado no continente para
curtir hotéis e bairros frequentados por brancos...
Em suas andanças pela África, o jornalista adoecera
diversas vezes... Percorreu lugares de muita umidade, e podia apostar que
vários trechos de florestas pelos quais passou eram ainda intocados... Por tudo
o que já havia enfrentado, sentenciou que até ali a sua saúde resistira muito
bem.
(...)
Sabemos que o estilo de Kapuscinski era radical... Não foi por acaso que
vivenciou diversos dramas políticos locais e “experimentou na própria pele” as
ameaças a que as pessoas dos lugares estavam submetidas.
Às febres aterradoras e infecções diversas somava-se a depressão do
sujeito solitário, que arriscava a vida no exercício da profissão. Essa solidão
“massacra a existência”.
A esse quadro depressivo o autor dá o nome polonês de “chandra”.
A “chandra” torna o indivíduo enfraquecido, depois de “dias vazios” e “noites
insones”... O tédio domina o ser daquele que sequer suporta ver-se no
espelho...
Os dias e as noites quentes
provocam incontrolável transpiração... O autor reclama que, nos trópicos,
tem-se a sensação de que ela não para nunca. Talvez isso possa explicar um
pouco dos temperamentos inconstantes dos europeus que se instalavam em terras
africanas...
Os branquelos “peixes fora
d’água” revelavam bruscas mudanças de posturas... Figuras que na Europa eram “murchas”
e apáticas, de repente, se tornavam explosivas e agressivas no habitat para o qual haviam se
transferido.
Não eram poucas as
vezes que a irritação de um tipo europeu resultava em postura carregada da
arrogância dos que se consideram superiores aos demais...
(...)
E quem eram os brancos com os quais Kapuscinski lidava em terras
africanas?
Em sua maioria eram
correspondentes como ele... Tipos que enxergavam “meros concorrentes” nos
colegas repórteres...
O polonês explica que até gostaria de chamar-lhes a
atenção para a condição ridícula que adotavam ao “fazerem espetáculo de si
mesmos”, mas eles sempre ficavam muito ofendidos.
Todas essas situações (“fraqueza, agressões e manias”) completavam o
quadro da “chandra”, a “depressão tropical”...
De acordo com as reflexões de Kapuscinski, uma
crise aguda (muitas vezes acompanhada de “amortecimento da ponta dos dedos,
perda da sensibilidade cromática e o geral obscurecimento da visão, perda
temporária da audição...”) requer extravasamento... Uma das reações mais comuns
é a da “explosão chandriana” em que o afetado descarrega, inclusive partindo
para agressões físicas, sua ira sobre algum companheiro de estadia.
Leia: A
Guerra do Futebol. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto