Sim... Kapuscinski era disciplinado... Mas sua disciplina era canalizada para as tarefas jornalísticas que ele mesmo definia como prioritárias, ou seja, as situações de “calor da hora” das quais julgava que não podia deixar de participar.
Em relação aos superiores, podemos dizer que sua postura era “irresponsável”... Ao ponto de se embrenhar por remotas paragens africanas sem dar a mínima satisfação à sede em Varsóvia, que ficava sem a menor noção do que ele podia estar fazendo... Simplesmente não deixava rastros, e isso impossibilitava saber se ao menos estava a salvo.
Navegou pelo Níger e viajou com “nômades pelo Saara” sem que sua agência soubesse...
As embaixadas da Polônia recebiam inúmeros telegramas em busca de seu paradeiro... É como ocorreu na ocasião em que chegou a Bamako (capital do Mali) e os funcionários da embaixada informaram-lhe que o procuravam desesperadamente... Entregaram-lhe um telegrama que dizia “se, por acaso, aparecer na vossa região o redator Kapuscinski, pedimos avisar a PAP, através do Ministério de Relações Exteriores”.
(...)
Enquanto permaneceu em Lagos para cuidar da saúde,
Kapuscinski leu “Tristes trópicos”, de Claude Lévi-Strauss...
Não foi por acaso que o polonês selecionou considerável trecho do livro
em seu “A Guerra do Futebol”.
Em síntese, notamos que ele se sentia como o etnólogo franco-belga, e
entendia que a sua experiência como repórter correspondente na África tinha
muito em comum com as “pesquisas etnográficas” que Lévi-Strauss realizava em
meio à “selva brasileira” junto a tribos indígenas.
O trecho selecionado (que não trata das pesquisas entre os Nambikwara, Bororo
ou qualquer outra nação) revela que em determinado momento Lévi-Strauss esteve
um tanto “decepcionado e exaurido” devido às inúmeras dificuldades e à “resistência
dos índios”... Ele externou sua angústia marcada, sobretudo, pelas dúvidas a
respeito do significado de sua expedição. Em seus questionamentos buscava
resposta sobre a real necessidade de realizar a “pesquisa etnográfica” nas remotas terras brasileiras (transferiu-se para o Brasil para exercer cargo de professor
universitário)...
Cinco anos haviam se passado desde que Lévi-Strauss deixara o seu
país... Nesse intervalo, seus mais “ajuizados” seguidores e pupilos decidiram
dar prosseguimento às carreiras para as quais dedicaram sua vida acadêmica e conseguiram
cargos políticos (alguns se tornaram deputados e continuavam a projetar postos
mais elevados)...
Por seu turno, o
pesquisador das gentes das florestas, insistiu em perseguir os “detritos da
humanidade”, conforme ele mesmo sentencia...
Pelo visto sua condição por
ocasião da redação daquelas linhas era de desgaste... As dificuldades que
encontrara no trabalho de campo pareciam sacramentar a crise existencial... As
perguntas que o atormentavam não eram poucas... Seu tremendo esforço seria recompensado?
O grupo social do qual fazia parte o reconheceria? Seria relegado?
Sentia que as
expectativas que alimentara antes de partir para a investigação no Brasil não
se confirmavam...
Abandonara pessoas e
cenários que faziam parte de sua história, de sua identidade... O contato com
os indígenas que viviam no estado de Mato Grosso também o fazia refletir a
respeito do próprio passado marcado por situações e elementos que desprezara com sinceridade...
No entanto, nos momentos de solidão e de
contemplação da deslumbrante paisagem, vinha-lhe à lembrança o estudo Op 10 Nº
3.
Leia: A
Guerra do Futebol. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto