segunda-feira, 25 de julho de 2016

“Os Mandarins”, de Simone de Beauvoir – acertos para a “convivência de verão”; a rotina; presença de Dorothy

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2016/07/os-mandarins-de-simone-de-beauvoir-o_24.html antes de ler esta postagem:

Lewis concordou que seria preferível não mais se envolverem com “demasiada intimidade”. Ele também se irritou com a reação da parceira... Com certa indiferença, esclareceu que o melhor que ela tinha a fazer era dormir.
Essa sua reação à indignação manifestada por Anne deixou-a ainda mais intrigada... Será que ele estava sendo sincero? A única culpada pelo mal-estar que experimentavam era ela?... Provavelmente devia ser isso mesmo... Em suas reflexões não se culpava exatamente por ter “mendigado as carícias”, mas por ter alimentado falsas esperanças.
Também para esse erro encontrava justificativa... Até então não pudera ter certeza da convicção de Lewis em relação à decisão de não mais amá-la... O que a confundia era a incoerência entre o que de fato esperava-se de um homem de decisões firmes e as brechas que deixava em algumas de suas posturas. Evidentemente ela se reportava à exacerbada harmonia que ele deixou transparecer a todos logo que chegaram a Parker.
No caso de Lewis, Anne imaginava que a sua pretensão fosse a de atestar a morte do passado e de tudo o que haviam experimentado juntos. Isso lhe doía, pois se tratava de “morte sem cadáver”... Nesse ponto ela retomou a lembrança do jovem Diego, sem um túmulo sobre o qual fosse possível derramar lágrimas.
(...)
Na manhã seguinte ele manifestou mais uma vez a sua lamentação sentenciando que a temporada havia começado muito mal... Ela o interrompeu dizendo que nada de grave ocorrera, disse que se habituaria e que a situação se tornaria perfeita para ambos.
Lewis reforçou a ideia de que ainda podiam passar um bom verão... Admitiu que ainda pudesse se entender muito bem com ela, sobretudo quando não estava chorando...
Anne entendeu que ele não queria magoá-la, mas ao mesmo tempo notava que não demonstrava se importar com os seus sentimentos.
(...)
Aquele verão tinha tudo para ser dos melhores...
Nas manhãs seguintes curtiram atravessar a represa de barco, subir as dunas e alcançar a praia... Instalavam-se sossegadamente... De um lado viam que as areias se mostravam “desertas e infinitas”... Do outro lado elas chegavam até os altos-fornos e suas inflamadas chaminés.
Os dias ensolarados foram de constantes convites ao nado e ao bronzeamento... Restava-lhes permanecer contemplando a bela paisagem frequentada por aves brancas de longas pernas que procuravam alimento pela areia.
À tarde retornavam para casa carregando gravetos e pedaços de madeira... O gramado frequentado por esquilos, borboletas e aves, era sempre convidativo a momentos de leitura. Era exatamente a isso que Anne se dedicava. A certa distância ouvia o som constante da máquina de escrever manipulada por Lewis.
Depois acendiam o fogo no forno feito de tijolos... Anne descongelava um frango... Também colocavam bistecas e milho para assar... Ouviam música, assistiam a filmes antigos ou lutas de boxe na televisão. Aos poucos essa rotina se solidificou... Pode-se dizer que, acomodado a ela, o casal resolveu satisfatoriamente a convivência.
(...)
Não poucas vezes Dorothy aparecia sempre a elogiar a noite estrelada e os vagalumes... Demonstrava todo o seu encantamento também pelas fogueiras dos que acampavam nas dunas. Anne a ouvia com certa tristeza por saber que aquele tipo também tinha um quê de estrangeiro ali, pois jamais aquela vida seria sua.
A solicitude de Dorothy (com seus conselhos inúteis e favores que ninguém pedia) intrigava e incomodava. Quem queria saber daquele monte de receitas, truques de limpeza ou artigos sobre novos e revolucionários utensílios domésticos?
E o que dizer a respeito de sua contradição? A moça não tinha sequer um cômodo próprio e assinava uma revista de arquitetura especializada nas casas de multimilionários!
Lewis também se incomodava com a intromissão. Certa vez sentenciou que jamais poderia viver com ela...
Em pensamento Anne concordou... E refletiu sobre a própria condição... Era certo que a felicidade que aquele ambiente prometia também não lhe dizia respeito.
Leia: Os Mandarins. Editora Nova Fronteira.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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