O trecho que se seguiu era dos mais agradáveis... Vários riachos faziam parte da paisagem... As colinas eram belas e sobre algumas delas haviam construído fortalezas admiráveis... Via-se que os camponeses trabalhavam a terra animadamente. Certamente a Páscoa teria abundante colheita de trigo. Também as hortas e os pomares estavam vistosos.
Eventualmente Teodorico notava os produtores de vinhos percorrendo os parreirais... Alguns tinham a ponta do manto sobre a cabeça e, com o olhar direcionado ao chão, pareciam orar enquanto trabalhavam.
A certa altura do caminho, ele e Topsius foram saudados por um oleiro que carregava a matéria-prima de seu ofício nos cântaros acomodados em seu burrico... O homem fez uma saudação bendizendo as mães dos desconhecidos e desejou-lhes Boa Páscoa.
Mais adiante um leproso perguntou-lhes se sabiam do Rabi que em Jerusalém curava os que como ele padeciam... O tipo falava ao mesmo tempo em que apresentava suas feridas asquerosas... Evidentemente não obteve a informação que desejava, mesmo assim perguntou se sabiam onde podia encontrar raiz do baraz (arbusto comum na Judeia).
(...)
Aproximavam-se de
Betânia quando Topsius decidiu que deviam dar um descanso aos animais.. Pararam
num local onde havia uma bela fonte sombreada por formoso cedro. O alemão
começou a dizer que estranhava não terem topado com a caravana que vinha desde
a Galileia para a Páscoa em Jerusalém... Mas interrompeu sua falação no mesmo
instante em que notou um grupamento de soldados que seguiam em ruidosa marcha.
Suas
armas eram de chamar a atenção... Teodorico assustou-se quando percebeu que se
tratava de uma tropa romana... E, mais que isso, os soldados lembravam as odiosas
figuras estampadas nos cartazes e folhetos da época da Semana Santa!
Os
brutamontes barbudos tinham a pele queimada do sol da Síria, traziam pesadas “sandálias
ferradas” e, às costas, escudos embrulhados em sacos de lona. Sobre o ombro
levavam forquilhas, cada um com a sua, que serviam de suporte para acessórios
como “pratos de bronze, ferramentas” e cachos de frutas (tâmaras)... Uns ocupavam
as mãos com os pesados capacetes, outros com pequenos dardos.
O chefe do grupamento
(o decurião) era um tipo gordo e louro... Sua montaria avançava lentamente e a
monotonia das passadas o levava ao cochilo preguiçoso. Via-se que ostentava um
manto vermelho... Logo atrás estavam as mulas que carregavam os suprimentos
(lenha e sacos de trigo)... Os arrieiros assistentes seguiam cantando a melodia
entoada por um flautista negro. Este seguia quase sem roupa... Em seu peito
lia-se o número da legião anotado em vermelho.
(...)
Teodorico tratou de
se esconder à sombra do cedro...
Bem ao contrário,
Topsius lançou-se de joelhos ao chão e saudou as armas romanas... Agitou braços
e capa enquanto gritou saudações a Caio Tibério... Longa vida a ele, “três
vezes cônsul, ilírico, panônico, germânico, imperador, pacificador e augusto!”
Os legionários pouco se importaram com a manifestação do estranho e
seguiram sua marcha... Alguns deles não se contiveram e riram a valer...
Um pastor que conduzia suas cabras apressou-se para a parte mais alta do
morro onde se encontrava.
(...)
Uma legião romana incrivelmente paramentada e
equipada em pleno final de século XIX! E no caminho para Jerusalém! Muito
estranho!
Topsius decidiu que
deviam retomar a viagem com toda naturalidade. Mas Teodorico seguiu desconfiado...
A
estrada revestida de basalto terminou... Então cavalgaram por um caminho
repleto de pequenas árvores frutíferas. O frescor e o aroma aliviaram a tensão
da última parada. Sem dúvida aqueles ares em nada se comparavam aos
experimentados nos dias anteriores.
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2017/11/a-reliquia-de-eca-de-queiroz-da_23.html
Leia: A
Relíquia – Coleção “Biblioteca Universal”. Editora Três.
Um abraço,
Prof.Gilberto