De repente Topsius parou diante de uma casa erguida em ambiente arborizado. Ela estava às escuras e nenhum som provinha de seu interior.
No alto da casa despontava a silhueta de uma cegonha em lâmina fina de ferro. Logo à entrada via-se o resto de uma fogueira... Teodorico a revolveu e assim pôde enxergar algo, pois uma tímida chama se levantou. Concluiu que se tratava de “uma antiga estalagem à beira de uma antiga estrada”.
Acima da estreita porta via-se uma tabuleta afixada em pedra branca... Teodorico espantou-se ao ler “Ad Gruem Majorem”. Ao lado havia outra pedra na qual haviam inscrito alguns dizeres favoráveis aos que chegavam àquele sítio... Em síntese, o proprietário, certo Septimano, garantia que Apolo prometia saúde aos que ali se instalavam. A estalagem oferecia banhos reparadores, vinho da Campânia e boa comida. Dava a entender que a acolhida era das mais favoráveis, pois ali as comodidades eram à maneira de Roma.
Então Teodorico estranhou... Perguntou-se sobre que tipo de lugar era aquele... Será mesmo que havia pessoas de tão diferentes costumes naquelas terras? Homens que bebiam em honra de outros deuses? Cultivavam os hábitos da época de Horácio?
(...)
Mais estranho ainda
foi o fato de Topsius não dar nenhuma importância àquele disparate. Retomou a
cavalgada em meio à escuridão sem nada dizer.
A
estrada revestida de basalto chegou ao fim. Passaram a percorrer um caminho
rústico cavado em meio a rochas... Os animais sofreram um pouco mais porque tinham
suas patas atingidas por pedras soltas.
Foi a partir de então
que Topsius passou a pronunciar críticas ao Sanedrim e à lei judaica... Ele
entendia que esses eram obstáculos às propostas de melhorias do procônsul
(referia-se ao governador romano na localidade!). Acrescentou que daí resultava
a oposição dos fariseus aos aquedutos, à boa estrada e à medicina introduzida pelos
romanos.
Sonolento e sem dar a
devida atenção ao cerne da falação de Topsius, Teodorico emendou que os
fariseus eram uns malditos.
(...)
As noites do mês de
Nizam eram as mais curtas...
Teodorico sentiu que
depois de suas imprecações contra os fariseus experimentou um breve sono... Ao perceber-se
desperto, viu que o céu já estava claro para os lados de Moabe (a leste)... Rebanhos
percorriam os cerros que pareciam carregados de alecrim.
O português notou que atrás de umas elevações estava um tipo que em tudo
(barba e cabeleira emaranhada, vestimenta de pele de carneiro, olhar e gestos
agressivos) lembrava Elias e os demais profetas cheios de cólera.
O homem notou-os e no mesmo instante passou a ofendê-los com todos os
xingamentos... Chamou-os de cães pagãos... Gritou ofensas contra as suas mães.
Eles nada podiam fazer, ainda mais porque as éguas cavalgavam mais lentamente.
Topsius apenas se encolheu em sua capa.
Mas
Teodorico não se conteve... Enfurecido, passou a gritar que o tipo não passava
de um bêbado. Gritou vários palavrões.
Mesmo de longe dava
para perceber que o desafeto parecia ser um fundamentalista devoto. Dava a
entender que se pudesse alcançá-los os atacaria com instinto selvagem.
A
desconfortável situação foi logo superada... É que alguns metros adiante
atingiram outro trecho da estrada beneficiada pelos romanos, portanto mais
larga e revestida. Pelo menos até Siquém se sentiriam mais seguros por
adentrarem área “culta, piedosa, humana e legal”.
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2017/11/a-reliquia-de-eca-de-queiroz-da_21.html
Leia: A
Relíquia – Coleção “Biblioteca Universal”. Editora Três.
Um abraço,
Prof.Gilberto