Depois de certo empurra-empurra, Teodorico conseguiu entrar no santuário onde os cristãos veneram o Sepulcro de Cristo.
O ambiente era dos mais concorridos... As pessoas se esbarravam, todavia carregavam suas fisionomias compenetradas.
(...)
O mais surpreendente para o português foi o aroma de tabaco sírio que se
espalhava pela atmosfera logo à entrada... Ele observou um estrado e, sobre
este, um divã no qual três tipos barbudos estavam acomodados... Eram turcos e
fumavam seus cachimbos de cerejeira.
Suas
armas estavam nas paredes... Via-se que o chão era de uma imundície medonha,
pois estava marcado pelo escuro escarro dos três... Diante deles havia um
serviçal pronto a servir-lhes café.
Voltando-se ao guia
Pote, Teodorico sugeriu que os católicos tinham organizado uma “loja de bebidas
e aguardentes” bem à porta da igreja do Sepulcro para que os romeiros se
sentissem mais confortáveis... Disse isso e foi emendando que gostaria de tomar
um café.
Pote
explicou que aqueles tipos eram soldados muçulmanos que policiavam os altares.
Estavam ali para impedir que fanatismos e superstições manifestadas por
cristãos de diferentes paragens e
heranças se exacerbassem uns contra os outros...
Teodorico compreendeu
que normalmente os padres de culto latino sentiam-se incomodados pelo som de
tambores que alguns grupos traziam... Os ortodoxos gregos traziam uma cruz de
quatro braços que chamava a atenção dos ocidentais... Havia ainda os de
“manifestações ferozes”... Muitas vezes a intolerância marcava o encontro ocasional
dos vários romeiros... Abissínios e armênios também não eram compreendidos
pelos europeus. E isso sem falar nos nestorianos da Caldeia, georgianos do Mar
Cáspio, maronitas do Líbano...
Pelo visto, aquela “guarda
maometana” era mesmo necessária. Teodorico pensou nisso e na sorte que tinham
por poderem fazer seu serviço enquanto pitavam do tabaco sírio e tomavam café.
(...)
Teodorico registrou
que se depararam com uma lápide quadrada...
Via-se que ela se
destacava em relação às lajes escurecidas. A lápide brilhava! Parecia polida...
Pote chamou-lhe a atenção dizendo que aquele pedaço de rocha era beijado
pelos romeiros, que entendiam que se tratava da rocha que vedou o Santo
Sepulcro “no jardim de José de Arimateia”.
O rapaz compreendeu a informação. Aquele pedaço de rocha era “santo”...
Então perguntou a Topsius se devia beijar a relíquia... O alemão respondeu que
ele tinha de proceder como os demais fiéis e seguir “beijando sempre” a tudo a
que eles dispensavam especial veneração.
O que teria a perder? Além do mais aquele
procedimento certamente agradaria à tia Patrocínio. E olha que foi Topsius quem
fez essa afirmação!
Teodorico achou
melhor não beijar a lápide... Sentiu-se enojado... O brilho e a polidez da
rocha só podiam ser resultado dos incontáveis contatos labiais por séculos e
séculos.
(...)
Seguiram até uma cúpula repleta de fumaça proveniente de um turíbulo...
As
colunas sustentavam lâmpadas de bronze que davam um aspecto fúnebre ao
ambiente. No centro estava “um mausoléu de mármore” coberto com “um velho pano
de damasco” bordado a ouro...
Tocheiros iluminavam
o caminho até a porta estreita. Um trapo da cor de sangue a fechava.
Um
sacerdote armênio, todo de negro e com capuz que lhe escondia o rosto, cuidava
de incensar.
Mais uma vez Pote
chamou a atenção do Raposo... Estavam diante do túmulo de Nosso Senhor.
(...)
Podemos imaginar o
quanto o cristão é tomado de emoção ao se perceber diante de tão sagrado
monumento... O próprio Teodorico talvez se sentisse tocado pela ocasião...
Talvez pensasse em refletir sobre sua pobre alma, ou mesmo sobre a tia de ética
carola, toda piedosa e temerosa às coisas da religião.
Mas
foi como um cão pastor que procurou passar pelo aglomerado de religiosos e
romeiros... Afinal sua única intenção ali era a de descobrir “um rosto gordinho
e sardento e uma gorra com penas de gaivota!”
Leia: A
Relíquia – Coleção “Biblioteca Universal”. Editora Três.
Um abraço,
Prof.Gilberto